quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O conto que diz quem Nós Éramos... #Agentes do Caos

 MUSIQUETA DA POSTAGEM



O conto que diz quem Nós éramos, nós, os que hoje chamam de Agentes do Caos.
 Minha mais longínqua lembrança que escrevo neste diário, enquanto sou professor nesta escola de bairro – ou seja, me disfarço -, é quando olhava minha irmã colocar seus prendedores de cabelo feito de osso. Ela se olhava num poço, numa água que era coisa rara naquela terra... Lugar seco e áspero, duro e cheio de seres estranhos... Nós éramos estranhos pr’aquela terra, talvez continuássemos a ser, ainda agora, ainda hoje, quando já nos chamamos Agentes do Caos.
 Meus pais morreram nas mãos de nômades, nós, morávamos ali, num pequeno vilarejo no meio da terra seca. Ficamos por alguns poucos anos até que ela colocasse aqueles prendedores de ossos nos cabelos e fosse conversar com um ser estranho, tinha túnica e a voz nunca me foi certa... Não lembro de sua face, nem o que era; sei que viajava, sei que viajou muito e já estava na casa dos quarenta, talvez, pois uma vez me contou que por quarenta luas percorreu de uma ponta a outra do Grande Deserto, vendo pedras, demônios, gênios e anjos.
 Estava convencido de algo aquele ser, e ele convenceu minha irmã e a mim... Prometida pra alguém ela estava, um simples carpinteiro imigrante das terras do sul, seu nome era Órgenes, um homem silencioso, quieto, pensativo... E que sempre desconfiei... Enfim, ele era forte e também se juntou a nós, éramos em quatro agora. Porém, eu ainda não sabia os mistérios que aquele ser sempre encapuzado dizia a minha irmã e seu noivo, só sabia que começamos a caminhar, andávamos e corríamos o mundo, buscávamos mais alguém que em nós acreditasse. Recebidos com paus e pedras, retribuíamos destruindo templos e virando ídolos de cabeça para baixo.
 Porém, houve um tempo em que chegamos muito ao sul e depois seguimos à Leste. Foi neste momento que vimos pela primeira vez o mar. Meus olhos, mesmo depois de séculos e até alguns milênios nunca mais se esqueceram daqui, daquele azul... Daquela imensidão, era semelhante o mar ao que eu sentia ali, estava feliz, eu era feliz... Talvez o mais próximo do que alguém poderia estar. Um garoto de doze anos que sorria...
           Mas, por que eu sorria? O que eu fazia ali?
 Éramos uns poucos, talvez uns dez, no entanto, ninguém via muito o chefe, ao qual chamávamos de Mestre, ao menos, durante a noite e momentos de descanso. Eu o vi uma vez indo dormir perto de algumas pedras, ao sopé de uma montanha... Lembro de tê-lo visto tirar a túnica e cobrir-se, porém, não lembro de seu corpo e se era mulher ou homem, isto nunca me importou, gostava dele, era bom comigo, não me fazia arriscar nas missões e não permitia que ninguém me batesse... Mas, ainda assim, Órgenes me batia as vezes, ele me treinava, junto com a minha irmã, nas artes de portas uma espada, de conversar com as coisas vivas, de ver o invisível e não acreditar nele...
 Finalmente, um dia perguntei ao Mestre:
 -Por que estamos aqui? – Ele respondeu:
 -Nenhum destes homens e seres acredita, eles desconfiam... É isto e nisto que acreditamos, cada um destes seres têm uma coisa pra se guardar, um pequeno segredo, uma coisa pra amar... Outra pra odiar... Não há deuses nem forças, nós temos dentro de nós mesmos o que precisamos, talvez seja isto que buscamos aqui... Entende, jovem Ulle?
 Meu nome não era Ulle, mas, agora era... Não sei, simplesmente entendi o que ele queria... Então, comentou comigo:
 -Amanhã, quando o sol estiver reto sobre nossas cabeças, fundaremos algo, faremos algo que ninguém fez ainda, que não vi em nenhuma de minhas viagens...
 Foi no horário e tempo que ele disse. Chamamos a todos, éramos em uns quinze naquele tempo...
 -Hoje, eu fundo com você uma coisa, os crentes nos mistérios invisíveis também o fazem, nós faremos igualmente... Fundamos a nossa Tribo, o Nosso Grupo...
 Todos se olhavam, havia tensão no ar...
 -Sei que nós estamos sendo perseguidos, que à Oeste os Povos do Olimpo soltam seus tentáculos e matam nosso irmãos próximo ao mar... Também sei que à Leste, as mãos dos Vedas caminhas e definham alguns de nossos amigos, ficamos entre eles nesta guerra contra os Demônios e aquele povo, fora os Anjos que no deserto nos cobram pedágio, a cada fonte de água... Ao sul o Reino dos Djins nos oprime a seguir suas leis de caravanas milenares, mesmo nos dando passagem, porém, eu sei de tudo isto e estamos prestes a dar um passo importante...
 -Senhor, deixe-me falar... –Comentou um homem das terras do Leste, seu nome era Kalla e era o mais poderoso de nossos arqueiros – Como iremos sobreviver? Não há aqui forças suficientes para competir com tais casas e clãs, estes seres são em número infinitamente superior a nós... O que faremos? Temos nossas forças, mas apenas dois braços, duas pernas e dez dedos...
 -Sim, eu te compreendo Kalla... Você é sábio em sua precisão, como tua flecha... No entanto, ainda não esta convencido da força que temos... É certo, não teríamos tamanha força se não fosse pelo que estou prestes a mostrar a vocês...
 O Mestre abriu a tenda, todos ficaram assustados. Era um homem-lagarto, pele esverdeada e olhos amarelados.
 -Que aberração é esta, meu Senhor? –Perguntou minha irmã, me colocando junto dela.
 -Este, a quem chamam de aberração, é Jaya... – Então, o ser lagarto puxou alguém de traz de sua túnica, uma menina, creio que da minha idade, talvez... Era linda, a pele era doce, só que os olhos amarelados tinham medo, estava assustada... – Ah, sim! Esta é Sinnix, uma companheira de nosso mundo de Jaya...
 -Nosso mundo? Como assim? – Perguntou o medroso Órgenes.
 -Eu, - falou a criatura, com voz rouca e parca – sou Jaya... Sou um viajante que estava perdido, caí neste mundo enquanto viajava em busca de água e comida... Sou de um povo das estrelas, um povo guerreiro e poderoso... Seu mestre me ajudou e com isto, ajudou toda a minha raça...
 -Nós, - disse meu Mestre – temos agora a chance de sobreviver... Jaya dará um aviso para seus companheiros de batalha virem para o nosso mundo... Eles chegarão aqui e nos auxiliarão na batalha contra as diversas casas, quando o caos e a descrença estiverem instalados, finalmente, teremos nossa Missão completa... O Caos vencerá...
 -Mas, senhor... – Disse Kalla – Confiar nestes seres? Como podemos fazer isto? Não temos força suficiente para aguentar ao poder dos outros povos e...
 -Continuar sobrevivendo? Kalla, tu sabes melhor que eu, as vezes não podemos apenas sobreviver... As vezes temos que ter um sonho... E persegui-lo, pois talvez seja a única coisa que nos reste...
 -Sim, um sonho... –Minha irmã e Kalla se entre-olharam, sentia nos dois algo, assim como Órgenes, que puxou com força o braço de minha irmã, ninguém além de nós viu aqueles movimentos, aqueles gestos... Eu não sabia que eles seriam tão importantes, não sabia que aquilo definiria tanta coisa...
 -Logo, para que seja dado o Aviso – disse meu Mestre -, três de vocês serão escolhidos para irem para o mais longínquo dos Nortes, atrás da fogueira que o sábio Zaratustra acendeu... Lá devem lançar este pó que  Jaya trouxe... Ele contém a centelha de mil estrelas... Quando aceso, os navios que caminha nas estrelas do povo de Jaya virão e nos auxiliarão... Porém, eu deixarei esta missão apenas para quem mais confio, não se sintam mal por isto, mas a missão é perigosa e terá de atravessar muitas terras desconhecidas, apenas estes que eu tocar o ombro serão aqueles que possuem o que estamos buscando, eu gostaria que todos fossemos, mas, será burrice da minha parte arriscar a todos...
 Então, meu Mestre fez com que eu me assustasse, ele me fez tremer nas bases, quando sua mão foi tocando os três escolhidos... Tocou primeiro em Kalla, disse:
 -Kalla, você veio de longe e conosco aprendeu a dar a suas flechas o tempo destruidor, a força de governar a juventude e a velhice, você, jovem de corpo e velho de coração, Kalla, eu te escolho...
 Foi, o Mestre e tocou o noivo queito e parado de minha irmã, Órgenes:
 -És o mais resistente, porém o mais vacilante de todos nós, Órgenes, agora tu vai se chamar Órion, o Forte, pois, com muita força você venceu todos os cansaços, agora é praticamente invunerável, tuas mãos carregam a potência de todo um exército, ainda que sua boca não profira mais do que duas palavras por dia...
 Todos riram, eu não. A pequena Sinnix via minha cara de medo e eu percebi que ela me fitava, curiosa; por um momento nós nos entendemos, nós nos comunicamos e disse a ela que estava com medo, apenas no olhar...
             Medo daquilo que o Mestre fez, o terceiro toque
 -Você, mulher de Órion, a mais brilhante de nós todos... Não poderia deixar de te escolher... – Então, ele tocou no ombro de minha irmã e fez meu chão desaparecer sobre meus pés – Você, se chamará agora Astar, minha menina, - beijou a testa de minha irmã como um pai, e talvez, ele fosse isto pra nós, órfãos que não criam no destino... – tu sabes como tecer o caminho dos outros, com magas antigas aprendeu a Tecelagem de Vidas e Caminhos, faça teu caminho e o nosso cheio de glórias e energia...
 Então, em silêncio, no outro dia, eles partiram... Havia apreensão entre nós, pois o Mestre se fora com eles, iria até uma parte do caminho, depois de aceso o Aviso, voltaria para nos falar... Eu, encarregado de Sinnix, deveria guardá-la com minha vida, pois, ela era o “Selo” do acordo de Jaya com meu Mestre, ele que não se chamava mais assim, agora ele, nas palavras de minha irmã, era o Fundador, havia fundado algo que nem nós e talvez ele próprio soubesse a extensão que tomaria...

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Pois é bruxo #Agentes do Caos

 MUSIQUETA DA POSTAGEM 

 -Pois é, sou praticante do bruxismo a tempos...
 -Como assim, Nick?
 O gordo N. Charlie pega um cigarro, abre na lata de cerveja e começa a me contar suas baboseiras...
 -Então, eu não acredito no Estado porque sempre vi meus amigos mais legais, quando entraram pra droga da máquina pública, virarem uns belos de uns filhos-da-puta, eu vi isto, eu sei disto. Também não creio que não dá pra confiar muito nas mulheres porque, você sabe melhor do que eu... Elas pisam no teu coração com a porcaria dos saltos agulhas que compram pra impinar a bunda, quando não enchem o saco todo o tempo... Pra mim, quanto mais sacana, mais relacionamentos sérios você consegue ter, entende?
 -Sim, entendo, Nick. Mas, sobre o Amor...
 -Hey! Não venha com suas historinhas aqui, eu não estou falando nada de Amor, esta coisa fru-fru que ninguém sabe a cara e que todos falam que não é isto, não é aquilo... Amor você tem quando, depois de 50 anos casado, olha pro maracujá ao seu lado e, sei lá o por quê, ainda sente tesão... Bem, aí, o resto é Filosofia, e das piores, já que todo o filósofo é – por si só – um péssimo amante... Se bem que estou filosofando...
 -Sim, Nick, você está... Hahahaha –Gargalhei na frente dele, levemente, arrumei minha franja na janela de um carro, enquanto passávamos por uma praça destruída por um bombardeio... O gordo N. Charlie, pegou sua lata de cerveja, pôs de lado, pegando depois um pedaço de ferro retorcido, acho que era parte de alguma máquina de guerra, talvez um robô, não sei...
 -Sabe, eu também não acredito em deus, nem no Deus, nem em qualquer outro... – Apontou o pedaço de ferro em volta – Esta droga toda aqui, saca? Uma merda de guerra que estava destinada como uma prova de vida das pessoas? Ora, bolas, uma bela merda... O menino da lupa continua aí, cegando todo mundo, se é que o tal pirralho e a tal lupa existe... Podemos só ser bolhas, corpos com bolhas ao invés de cabeças, que quando morrem, esplodem e...
 Um arroto. Perdeu o assunto
 -Hein, - disse eu- o que é bruxismo? Tu falou isto e não explicou... –Pedi a lata de cerveja com um gesto, ele não me deu, o sacana sabia que eu era de menor, sei lá, minha cara ainda era muito “de mocinha”, bando de desgraçados... Enfim! Continuou o gordo:
 -Ah, isto? Bem, eu não acredito em nada que não possa um dia tocar entre minha mão esquerda e direita, como o seu amigo, ou sei lá o que... O esquilo... Como é o nome?
 -Panda, o nome dele é Panda
 -É, esta coisa aí... Putz, nunca entendi isto, devo estar muito chapado pra ver bichos conversando entre si, e ainda mais com um serzinho tão bizarro como tu... –Ele tocou na minha franja, segurei seu mão e torci, ele se soltou, rindo... Que bobo é este Nick, um belo bobo...
 -Okay, okay! Para, para porra!
 -Fala aí!
 -Okay... Ah, bruxismo, saca? É você não acreditar em nada além do que exista entre as suas mãos, pensando numa conexão quase, quase... Que mágica, sabe? – Ele não havia derrubado o cigarro em nenhum momento ainda, tragou-o muito devagar... Nós subíamos uma ladeira, soltar a fumaça o fez tossir, continuou:
 -Então, você chega num bar, olha pra menina que você quer e pensa: “Nossa, é hoje!”, daí você começa a refletir sobre sua vida e olha pro garçom, ele não te atende, você fica puto, mas, vai chegando perto dela, tem um vestido vermelho e cabelo Channel, pode ser até ruiva! Não na parte de cima, claro... Enfim, é a coisa de ficar fixado num ponto entre a seus braços e pegar aquilo, acreditando que apenas aquilo te salva... Sei lá... Do Amor, de deus, de um alienígena... Bah!
 Silêncio de alguns minutos, o caminho era ingrime, a rua era Das Araucárias, mas, nenhuma árvore havia ali, apenas alguns cortiços que sobraram do Bombardeio, pergunto quando já estávamos quase no fim da ladeira:
 -Ela ficou com você naquela noite?
 -...Não... Me deu um tapa na cara, nunca fui bom com mulheres...
 Lhe sorri, ele ficou meio encabulado.
 -Bem, é isto que se resume minha vida... Tentar ser um bruxo, um ser que entre seus braços tenta fazer o melhor possível, tentar realizar o que tem de fazer e... As vezes temos que continuar apenas vivendo... Como porcarias de amebas...
 -Hm... –Olhei ele nos olhos, o gordo estava suando, o cigarro, acabando, íamos chegando na parte mais alta da cidade... Paramos em frente a uma enorme cratera, gigantes e cheia de lixo; deveria ter quase uma semana, mas, os urubus ali já viviam...
 -...Sabe, o seu bruxismo é interessante.
 -É... Afinal, -ele suava- este céu está muito bonito, acho que isto é o mais próximo que conseguimos chegar do paraíso, aquele de livros religiosos como o Livro Vermelho, que os padres ficam nos enfiando pela guela...
 O céu era azul, tinha umas nuvens brancas embaixo, era o Pôr-do-Sol... Nick Charlie olha para minha cara
 -Seus olhos, sabe, são realmente lindos... –Não me tocou desta vez, apenas olhava, fixamente
 -Me dá? –Apontei para a coisa que estava na sua mão direita
 Ele deu o cigarro, eu traguei, sorri... Joguei o cigarro fora, estava na hora, aquele era o momento
 Nick Charlie foi agarrado, beijado, não mexeu muito, ficou até paralisado...
 -... –Eu lhe sorri, minha franja loira levantava com o vento.
 -Sabe, Olhos-de-Espelho, você teria sido uma bela Agente do Caos, ou sei lá... Uma merda destas... Foda-se, por que fez isto?
 -Ora, bruxo? Ao menos agora, você teve a chance de ter alguma coisa concreta e não ficar só esperando que algo dentro dos seus braços apareça... Deveria ter ficado mais calmo, “deveria ter amado, sofrido e procurado mais, pelas coisas pequenas”, como diz a música...
 -Sabe, eu sempre busquei... Este foi o problema... –N.Charlie quase me fez despender uma lágrima... Olhei-o fixamente, ele também, porém, não era tempo para mais um beijo...
 -... ... ...
 -Adeus, menina!
 -...Nick, - eu disse – pode ir, se quiser... Vai... Não posso fazer isto com um cara como você... Realmente, você é um bruxo, vai, antes que alguém mais puto do que eu apareça... Nunca mais pise nesta cidade, nunca mais, sei lá... Bombardeie...
 -Ora, vá se foder! –Riu o gordo, que saiu correndo em uma velocidade espantosa... Ele tinha gosto de cigarro, como alguns e algumas por aí...
 Estava há uns doze passos, sorria.
 Tirei minha Luger da jaqueta, mirei, estava fácil
 PÁ!
 ...
 Andando para aquele gordo de cabeça despedaçada... Caído de bruços, era o último deles... Com aquele jeito
 -É, Nick, você foi um bruxo... Consegui morrer com esperança, mesmo nunca tendo...
 Virei-me, segui pra baixo da ladeira, acho que ainda ouvi, no vento, um:
 -Foda-se!
 E o sol cobriu todos nós com a sua ida, tudo escurece.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Quando o chapéu se viu no espelho #Agentes do Caos

MUSIQUETA DA POSTAGEM

 -Olá? …É você?
 Ela toca com seus dedos brancos no espelho, ele reaje e tremula, como um líquido, como uma onda
 -... ... –Nenhuma resposta
 -Você é a Batida?
 O som não existe naquele lugar, tudo parece um sonho. Um bad dream em que tudo é sombrio e escuro e, justamente por tudo estar escondido, não-descoberto, sua mente ferve... Nem meditações, nem amigas ou amigos, garotos numa balada, conseguem tirá-la daquele fosso... 
 Porém, nenhuma ajuda adiantaria, ninguém a auxilia de verdade. Todos fingem não ver e ela finge que não esta sendo vista... Assim como este sombrio sonho, percebe que não é nunca a luz de uma lanterna que ilumina seu caminho para que cada manhã acorde, mas sim, que tudo não passa da luz da lua refletida em sua pele... Seus olhos...
 -... Sim! Sou. -Respondo após momentos de silêncio. Virando para mim, Lúcia me fita, assustada... No entanto, não demonstra, só com suas grandes pálpebras me cega, pelo que dentro delas guarda. Lembro até hoje, de nossa primeira vez, do primeiro olhar.
 As primeiras décadas do novo milênio ditam nosso vestir, o que nós pensamos ser uma expressão de nós mesmos, nossa moda, nada mais é do que vemos no mundo, engolimos, soltamos dos dentes e colocamos no corpo. Ela tinha um grande cabelo loiríssimo, curto, mas armado, algo que me lembro dos anos 80... Mas, nunca liguei pra isto, nunca pra este tipo de coisa, veja só, agora ligo, depois de tudo...
 -Você... É a Batida... Do peito?
 -Sim... O que sempre estive aí, em você... -Uma mentira, eu era um Agente, não qualquer um Deles, sou o Homem do Chapéu, meu mestre é o Próprio Fundador; porém, com ela, não tinha vontade de lhe falar nada, não agora, aquilo me impelia.
 -Tem um grande chapéu, gostei dele... -Sorrindo, tocou neste tecido que enorme, parecia com os antigos "protetores de cabeça" do século XVII, das guerras entre os espanhóis e holandeses, das quais participei, como mercenário... No entanto, isto não é importante, só deve-se saber que era um grande chapéu que tinha três pontas...
                   Pontos de luz, acho que eram isto. Dois belos olhos sem cor alguma estavam na face de Lúcia; ela percebia quando os notavam:
 -Você também os viu? Bem, só não acho mais estranhos do que você... Por que está com uma máscara de gás e este chapéu enorme?
 Olhei para ela, eram como dois faróis, não me cegavam, porém, pareciam que me chamavam para algo que há muito tempo não conhecia a minha língua em falar: a verdade, não a dos poetas ou sábios, a minha, a que realmente importa, no fim das contas...
 -Não sei... Eu realmente poderia estar ela, a máscara, mas, sou parte do chapéu, ele sou eu... E sou igualmente com ele a Vingan... -Me contive, aquilo era muito estranho, então aquilo que procurei era verdade, olhos que me dizem o Escondido, o sombrio, que próximo aquela torre de água parecia tão enorme, apesar da cidade estar tão próxima... Com suas luzes, no entanto, não eram luzes como dos olhos dela, eram, apenas, lâmpadas, que em seus raios liberados, velavam leituras, tevês e pc's ligados, olhares vidrados, corpos entrelaçados e alguém chorando... Fazia tempo que não me dava a ser sentimental...
 Tirei a máscara e revelei uma das minhas faces, a do carrancudo pistoleiro, porém, mais jovem e sem seu poncho, que usei em tempos e estórias passadas.
 -Qual o seu nome?
 -Não precisa saber, Lúcia...
 -Então, você me manda um bilhete depois daquilo... ... Eu não sou palhaça! Não posso ficar aqui, neste escuro e...
 De repente, mesmo tendo o 38 na cintura, lhe fiz o que deveria se fazer: um abraço.
 Nunca fiz isto, não... Faz muito tempo que abracei alguém... Antes mesmo de que eu fosse a Vingança...
 Assim, começou... Antes disto, ainda com lágrimas nos olhos, me perguntou:
 -O que você quer?! O que quis dizer naquele bilhete: "Você tem outra chance, basta treinar, pra ser?"... -Continuou o ataque histérico, eu a ouvi, mas, deixei-me ouvir por seu olhar as tristezas de nascer com aquilo... Diziam que ela tinha "olhos de espelho", que cada vez que falava com alguém, fazia-o falar a verdade, já fora espancada por isto, estava sendo no momento em que recebeu o bilhete por Extremistas-feministas que tinha feito parte, "- Não podiam ter aceitado alguém como ela", me disse a jovem de cabelos amarelos. Os seus intermináveis casos de bullying na escola e ainda quando adulta, mesmo sempre tentando pelas ruas desta cidade fria e úmida, que chamam de Curitiba -antiga Gran Pinus -, fazer seu caminho de cavaleiro errante que depois de pensar ter derrotado o moinho-gigante, torna-se trinfante, sempre com a realidade dava de cara, seca, áspera, real...
                 Falava comigo e depois dizia que da ponte se jogaria. Que eu deveria lhe dar um "tchau"
 Deixei isto tudo quieto em mim, lembrando de tempos passados, de cidades muito distantes e já esquecidas, em momentos que eu era daquele jeito, só que sem pontes como aquela... 
 Consegui salvá-la como salvei muitos outros desta ideia suicida: convidei-a para ir à um parque no outro dia, se não fosse, não saberia - nunca- o por quê de ter vindo me ver... A curiosidade, é algo que nos move, mesmo que, já no fundo, ou talvez seja a vontade de viver de nós, homens animais, mas, não me importo, pois, não sou bom com as palavras mesmo... Porém, sobreviver sei, tanto que me mantive aqui, para cumprir o que tenho de fazer
 No outro dia, em frente a um portal, vi alguém chegar... Com a garrafa de vodca, mas lá
 *           *          *
 Ventilador...
 Suas pás giram e libertam os corpos do calor infernal que aqui faz... 
 Era num verão. Sentado num muro, perto de um ponto de ônibus deserto, um ser de estatura humana, de sapatos pretos e meias listradas coloridas, não posso ver seu rosto. Eu paro e converso com ele... Com roupas normais, de motoqueiro, seguro meu capacete - na verdade, meu chapéu que agora era aquela forma protetora de cabeças
 -Olá!
 -Olá, mestre! -Lhe respondo, virado pro outro lado, pra fingir que ninguém está ali, pois ninguém poderia vê-lo...
 -Você está feliz, "1º Aluno"? -As vezes não me acostumava com sua voz, ela estava dupla, como de um homem e uma mulher, algo estranho, mas, é compreensível.
 -Sim... Eu estou, Mestre...
 -Me conte, então...
 -Eu não sou mais a Vingança, meu senhor... Desde que há muito tempo, tudo aquilo aconteceu... Desde que minha irmã morreu e...
 -Eu sei, eu estava lá... Mas, e esta moça, esta Lúcia?
 -Ela... Bem, ela tinha uma missão... Eu estive treinando ela por todos estes meses, como segurar uma espada, atirar, saltar como o vento e bailar como as folhas...
 -... Além de beijar como as fúrias dos mares? Veja só... Conheço este poema também, o autor foi nosso amigo, há muito tempo... -Falou meu mestre. Eu fiquei calado, olhando para baixo, eu não podia lhe responder que não para com a última parte do verso
 -Ela sabe o quê ela deveria fazer? Acha que ainda pode cumprir com isto?
 -...Sam não vai existir mais... Ele foi longe quando quis apenas nos usar... Ela já sabe quem e o que ele fez... Ela será a Nossa Mão sobre ele
 -Ele é forte, você o treinou
 -Sim, mas apenas um aluno do mestre pode derrotar outro que aprendeu com o mesmo a sobreviver...
 Ele, o Fundador, olhou para o longe, dava para ver um parque ali... Era o Parque de Chien, que eu levara Lúcia - isto fazia alguns meses... De repente, ele sentiu algo, viu algo... Desceu do muro, começou a seguir a direção contrária da rua
 -Aluno, você está livre...
 -O quê? Senhor?!
-Você agora tem escolha, 1º Aluno... Você mereceu isto... -Virou-se para trás, vi com espanto, enquanto -como chegou- ele se foi... Virou uma folha verde e plainou com o vento, para outro lugar
 Apertei um comando num controle, um sinal de som saiu e localizei minha moto: modelo antigo. Subi, estranhando tudo... Tinha de vê-la em um Jardim na frente do Quartel Central. Pus o capacete, fui...
 Talvez nunca precisasse ter visto o que vi lá, a Vingança renasceu
 Cresceu
 E dois quarteirões daquela cidade desaparecem