terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O título tem de ser visto

 Eu estava em um café-bar tomando um suco quando vi ela pela primeira vez, e foi a última. Nunca mais vi aquela garota de longos cabelos castanhos e olhos profundos de morta, talvez fosse algo bom.
 Quando cheguei em casa, molhado da chuva de verão, vi no programa de açougue ou o que eles chamam de "policial" que uma jovem de vinte e tantos tinha sido morta, brutalmente, e jogada em um córrego próximo do centro. Triste, mas, sempre a tristeza é momentânea nestes programas, e acho que em tudo da Vida Moderna...
 ... Espera
 É a garota do café!!! Sim, é ela!!! Bete Angélica... Lindo nome...
 Mas, estava morta.
 Dormi ou tentei naquele dia, enquanto meu gato de barriga pra cima olhava pra minha cara de olhinhos fechados. Quando levantei para tentar me cansar com alguma bobagem de jogo de pc ou notícias em portais, senti algo estranho... Um cheiro de morangos, que eu conhecia. Tomei um copo d'água e consegui dormir, no sofá.
 O sol na minha cara queimava minhas vistas, então, olhei pela janela e vi alguém, levantei rápido para gritar, mas, vi uma bunda em poucas roupas e um cabelo castanho. Quando corri pra janela, nada, nem a porta estava aberta da sacada.
 Olhar pra baixo e ver a vida urbana seguindo seu fluxo, enquanto Bete Angélica estava morta, talvez no necrotério, talvez já sendo velada por uma família cheia de parentes que não ligaram pra ela... Nem quando ela resolveu fazer Pedagogia à Veterinária...
 ...
 O café tinha gosto de lágrimas, alimentei o gato e deixei sua vasilha com água até minha volta - qualquer coisa, minha mãe vem e cuida dele, afinal, ela tem de fazer alguma coisa pra mim um dia.
 Descendo as escadas, continuava a sentir um cheiro estranho de morangos, quando sai na rua, a luz do sol de verão queimou minhas vistas e as limpei com as mãos, minhas mãos estavam sujas de sangue.
 Mas, ninguém percebeu, a loucura na Modernidade é hype. Gritei por um momento, um grito azedo e exorcizando tudo que eu tinha... Alguns olhares e logo corri pro meu ônibus.
 No escritório, na sala de aula, nada passava além de formas abstratas daqueles tristes pessoas ali na minha frente, todas elas tinham gosto de café. Apenas café, cerveja tinha gosto de café, vinho tinha gosto de café e até água tinha gosto de café. Transei com a Clarinha, a estagiária dois dias depois, ela tinha um beijo com tremendo gosto de café...
 -Alô, filho?
 -Oi, mãe! Tudo bem?
 -Meu filho, aonde você está? O Napo estava morto de fome... Recebi o cheque e o recado na secretária, fui lá na sua casa e estava tudo uma bagunça... As coisas da Bete estavam todas...
 Clic!
 Voltei a contemplar o lago vazio do Botânico e pensar como tudo é tão interessante quando está vazio, até a gente.
 Chega, acho que já está bom de poesia.
 ...
 Segue pela rua o rastro vermelho do cheiro de morango.
 -IDIOTA! SEU LUNÁTICO IMBECIL
 "Ainda não estava tudo perdido, eu não tinha perdido ela..."
 -SABE DE UMA COISA? ACHO QUE VOCÊ DEVERIA SE INTERNAR! OLHA O QUE VOCÊ FEZ A SIM MESMO!
 -Ok, mas, antes de olhar pra porra da minha vida, vamos falar da sua!!! Cadê o Bentinho???? Cadê Clara??? Hein??? Cadê Holanda, Luxemburgo e Paris????
 -...
 -Hey, que é isto??? LARGA ESTA MERDA!
 "Apenas percebi que tinha me perdido"
 O rastro vermelho seguiu a rua até o rio, a faca-borboleta joguei na lata do prédio. Tomei banho e dormi, amanhã saio cedo... Mas, amanhã é domingo...
 Dormi.
 E lá estava eu agora, nas memórias de quando me perdi por aí. Rezei para minha santa, Almo das Portas Fechadas, e deitei em um banco na chuva que acabava e mostrava a lua sorrindo.
 Sorriso da Bete.