quinta-feira, 27 de julho de 2017

João, a Pedra

João, só por um momento
Largou de si mesmo
João virou pedra
Lá, observando ao seu redor, anos, séculos, milênios
Primeiro viu aquele moço com a lança, caçando
Depois, outro plantou
Um fez o que plantava, plantar e lhe dar um pouco
Dizia dar segurança, ouviu João, a Pedra
Então, depois de certo tempo, aquele que dava segurança
Ficou com vários que plantavam, ele colhia
Houve um momento que o perigo tão longe estava
Que o segurança precisava criar medo
O medo, viu João a Pedra, é um pequenino broto
Ele cresceu, virou árvore
E os que plantavam cortaram a cabeça do rei
"Nós agora nos cuidaremos sozinhos", disseram os plantadores
Poucos meses ou décadas depois, João já não se lembra
Novos seguranças surgiram, agora em vários lugares
Todos diziam ter o caminho da esperança
Todos diziam ser capazes e morais
Então, depois de um certo tempo, ninguém mais segurava nada
Tudo era fluído que desaparece no ar
E os plantadores criaram um ídolo, um totem
Pegaram a pedra João e lhe moldaram algo qualquer
E agora, esta coisa sem rosto, esta ideia, lhe dava segurança
Porém, João permanecia ali, impassível
Colocaram a Razão e deixaram a emoção, ficar seguro era agora ciência exata, economia social, ou qualquer nome
Menos João, ele estava apenas lá, firmamento
Então, a Segurança, bela senhora de pintinha na cara
Começou a ficar enamorada do Medo, agora belo e garboso
João, vendo o amor dos dois, começou a sentir algo
João, a pedra, sorriu
Os plantadores, os antigos seguranças, o símbolo que acreditavam
Nada disto parecia importar para aqueles pequeninos
A Senhora enamorava o Senhor e os dois giravam a roda
Cada vez mais rápido
João percebeu os gritos e ranger de dentes
Da eterna busca por algo fixo, seguro, mas com liberdade
João não precisava disto, era uma pedra
Era seguro por natureza e liberdade não era sua busca
João chorou
Com os pequeninos, a pedra viu seu fim
Eles o quebraram, dilaceraram
João ficou em silêncio
Eles o construíram em um castelo e diziam estar seguros ali
João, sorriu novamente
Sua busca continuará, pequenos
E nos milênios entre plantadores, seguranças e ídolos
A única coisa que permanecerá será a mim
João, a pedra

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Só com garrafas me fazendo companhia
Já está no fim da festa, desta noite
Comemoram formaturas
Encontram ficantes
Com namorados, namoradas, economizam pra sair com a e o fixo
Amigos, as vezes até parentes
Todos rebolaram suas bundas
Nas luzes de neon que agora estão me fazendo a cabeça arder
É quase sol nascente, logo o ônibus bem
A festa acabou
Só sobra o confete
Ninguém lembrará de nada, talvez eu, porque esta é minha função
Vendo eles se divertirem enquanto a ressaca cresce e estoura quando tiverem de levantar
Pro trabalho
Tudo é muito bucólico
As vezes acho até meio cômico, quando dentro da festa
Olho todos rebolando na balada
As luzes, meus olhos estranham ainda... Nada disto tinha na Grécia
Porém, mesmo rebolado
Pra lá, pra cá
É como o bater do coração
Com a dança dos pés, do corpo, o toque das mãos e dos olhares
No véu da festa
Baco na modernidade não faz muita coisa
Além de rir da ressaca, enxaqueca por causa das luzes
E cobrar a entrada
Alguém perdeu a comenda!!!


The Turtles - Happy Together - 1967

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Bandeira

Bandeira
Faz o ideólogo marchar, faz
Bandeira
Faz o militante confrontar, faz
Bandeira
Faz o general bravejar, faz
Bandeira
Faz o intelectual teorizar, faz
Bandeira
Faz o artista contestar, faz
Bandeira
Faz o jornalista questionar, faz
Bandeira, interessado nela, fui atrás de entrevistá-la
Encontrei apenas um ente que tremula
Silencioso, retumbante em seu movimento
Balangando no vento, das tempestades até as brisas
Tentei tirar duas ou três palavras
Só encontrei o movimento
Só encontrei o movimento da bandeira
No vento
Ela mesmo, arrancada do pedestal, apenas um pedaço de pano
Apenas com xícaras de chá, capas de livros
Forjados sobre fuzis e sangue
Apenas isto, um pedaço de pano no tempo
Bandeira, pus ela novamente no pedestal
Vi o vento suave da tarde movê-la
Ouvi ao fundo eles vindo
Era meu fim, a última tarde de um homem
A bandeira valia uma vida, talvez não
Mas, com certeza ela vale a vida de milhares
Pois, ninguém liga pra números, só ligam pra cabeça e para os reis
Dizer o contrário e fingir não ver a Bandeira
Lá, tremulando, na brisa
Das batalhas que ainda não viu
Bandeira, finge
Ser, faz e finge
Que a bandeira faz


(EEmil Hadaward)

Dorzinha amiga

Aquela dorzinha
Aquela minha amiga de longa data
Hora mora nas costas, quase todo o dia
Se muda até pro peito, naquele suspiro mal dado
Pula sempre para a cabeça, sobre algumas meditações quixotescas
No coração parece que de tempos em tempos
Vive em temporada
Lá ela faz a festa na praia, frango-farofa-cerveja gelada
Quanto mais tempo no computador, pulsos está a dor
Quanto mais tempo nas andanças nas ruas, pés visitas a visita
Aquela dorzinha
Aquela minha amiga
Nunca me abandona, talvez um dia, talvez quando os médicos
Doparem o suficiente
Talvez ela, minha amiga me vendo consternada, pense:
-Este meu amigo, agora vai visitar ele os outros
Então, ela me dá um beijinho no rosto, faísca de envergonhar
-Boa noite, meu doce príncipe
E sai pela rua a dor

(E Emil Hadaward)

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Eu sou minha própria tempestade



"Eu sou minha própria tempestade"
Meus raios, minha chuva
A bonança que, quietinha, me faz sorrir naquela tardinha
Tudo isto rodando em uma espiral de fúria e frases jamais ditas
Pois, o silêncio do pensamento é uma benção
Que apenas a nossa voz espanta
Nunca te disse o que deveria dizer - pensa o gringo
Estrangeiro de si mesmo
Estamos todos numa viagem
Ora tempestuosa
Na maioria do tempo, o clima parece este
Temperado com sabores do vento
Jamais aquelas tardinhas parecem tão grandes quanto
O som dos trovões
Daquele beijo vazio, daquele tchau que eu dei
Para uma lembrança antiga
Não, não posso pensar apenas no perdido, ganha-se muito
Perde-se tudo
Na espiral da lembrança
Eu sou minha própria tempestade
E jamais escapo dela
Talvez você não esteja preparado para entrar
Porém, que chance tenho?
Se este visitante estrangeiro
Que sou eu
Só vai embora quando estiver morto?
(EE)
https://www.youtube.com/watch?v=_Y4VE8CJhlg

Ps.: Melhor disco do ano

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Livro

"-Você só vai aprender algo se correr atrás dela... Sabe, quando eu era jovem vi um livro num trem uma vez, esquecido. Eu li aquele livro por todo o verão - enquanto estávamos de férias da fábrica - e desde aquele dia nunca mais parei de perseguir o saber
-Qual livro era?
-Na verdade eram dois em um só, no começo era o Príncipe e depois Dom Quixote
-Nossa, isto é realmente interessante... Mas, o por quê de você jamais parar de ler, é um vício?
-Sim, o saber é um vício e um perigo, estamos sempre no limite de sempre querermos ser o Príncipe, com plenos poderes e aceito, e o Quixote, excluído por existir nas aventuras de seu próprio mundo... O combate entre estas duas forças está sempre em nossa comunidade, na nossa sociedade de indivíduos
-Incrível... Realmente incrível... Mas, você acha que existe alguma saída?
-... Bem...
Neste momento, aquele senhor que eu conversava me olhou nos olhos e disse:
-Nunca deixe de escolher
Ele olhava para aquele espelho, saiu e foi pegar o próximo trem para seu turno"
(Emil Hadaward, Eduardo Emilio "Desafinos de uma Noite do Meio-Dia")