MUSIQUETA DA POSTAGEM
Estava em 2046, depois do nascimento de nosso senhor – o do Livro Vermelho, e não de outros pagãos por aí -, sentado na cama para dez pessoas num apartamento de meu amigo Robson Glezoé, em São Paulo, a Maior Cidade do Mundo (apesar de estar atrás daquelas pertencentes ao grupo do Dragão Asiático e das pobres Índia e África). Nunca vira tanto concreto em minha vida e, mesmo vivendo lá apenas 3 meses, nunca penso ter visto mais de uma vez uma pessoa... Vi apenas uma vez um momento de suas vidas, como desejo, do fundo de meu core [coração], ter vivido aquele momento terrível também apenas uma vez... Aquela chuva...
Era comum pra eles, mas não pra mim, habitante de uma simples metrópole de 4 milhões de habitantes, pequena, interiorana. Não. Aquilo era surreal... Foi numa das primeiras semanas de janeiro, como acontecem há mais de 100 anos aqui nas terras do Parlamento Brasileiro – incrível como ainda nada fora feito... Por isto, votarei a criação do Nosso Grande Império! Mas, isto é história para outra hora, n’outro lugar... A tal chuva, que mudou minha vida, ocorreu nesta época e eu nada sofri com ela
Fiquei seco
Embaixo de cobertas, com medo
-Acontece toda a vez mesmo! – Disse meu amigo, depois do que aconteceu...
-É, acontece... –Minha voz saía fraca, trêmula, porém, nada mais via naquela rua a não ser uma gigantesca massa de lama e barro, ao qual nada atravessava e que braços mecânicos – em uma solução temporária – encaixados nas laterais de todos os prédios iriam tirar partes da lama negra, lama que fedia, fedia cidade; cerca de quase 1 metro, ela veio escorrida dos fundos dos esgotos abertos, misturava-se com montanhas de terra postas estrategicamente próximas as gigantescas bocas de galerias, que eram fechadas ao público e que serviam para barrar a energia da água, pois este lamaçal criado era uma maneira de deixar “mais pesado” o líquido, permitindo que alguém na rua, ao menos por alguns segundos, pudesse se esconder em pequenos bueiros que a cada duzentos metros se vê pintados de vermelho e amarelo dizendo: “Perigo de Chuva! Corra aqui!”. Avisos já gastos pelo tempo, arranhados e pichados... Como tudo por aqui... Ai, ai, estas pessoas precisam é do (dum) senhor... Como a água que corria enlameada das galerias para os canais artificiais gigantescos... Sintia que precisava fazer algo, naquela época, não sabia o que...
Mas, então, numa manhã, lá perto das nove horas, me encontrava esperando no apartamento de meu amigo Glezoé, meus pais me encontrariam ali e eu iria minha terra de novo, iria parar de viver na casa de meu amigo, um pobre homem que trabalhava a noite e por isto, não poderia ser recebido pelo bolo que minha mãe trazia à ele – o bolo, no entanto, podia esperar, iria ficar na geladeira, este evento revelador, não. Ela começou, fraca, tomando cada parte da cidade, uma bela chuva...
Chúa, chúa, chúa!
Fazia ela... Era lindo ver todo o mar de prédios e concreto se encendo com aquele ar úmido e abafado, presente nos verões daqui.
Então, ela ficava, mais forte, ela ficou mais presente nos meus ouvidos...
Chúuuuua, chúuuuua, chúuuuua!
Foi aí, e justo aí, que vi uma coisa assustadora... Pois, perto do prédio do meu amigo, havia um matadouro; eles ficaram localizados ali, agora dentro da cidade, a fim de suprimir a demanda e contrastavam com a imagem das boates e casas para homossexuais que haviam na região, pessoas adoráveis que trabalhavam lá, também moravam aqui, no prédio... Porém, as insuportáveis também... Elas, no entanto, deveriam estar essopadas, mas sairiam é correndo, se vissem o que eu via ali
Dois gigantescos bovinos, nunca vira aquilo antes... Um negro e parecia um macho, com chifres cerrados, vomitava baba negra, enquanto fortes homens tentavam levá-lo para o outro lado da rua... Ele não conseguia, pois era gordo demais, babava e vomitava... Na frente da rua, uma vaca branca, com chifres enormes e que mugia de dor... Eu conhecia aquele mugido, morara muito tempo na fazendinha de um avô... Ela ia parindo, tentava, ao menos... Líquido meio aquoso saiam de seus fundilhos e jorrava pela rua, aquela pequena rua de sete metros era quase toda tomada por aqueles dois animais e seus tratadores, homens barbudos e rudes, não deveriam nem ter passado da Faculdade Técnica... Porém, lá estavam, brigando com seres de dois metros, mais que isto... Gordos, tanto o humanos quanto o animal... Tentavam levar para o outro lado da rua, onde um senhor chinês velho, berrava com a porta entreaberta de um refúgio...
Os animais mugiam, sofriam... O touro vomitava e babava e a vaca tremia e por vezes caiu no meio da rua...
Olhei perplexo, tinha que fazer algo
Peguei meu telefone celular e liguei sua câmera, foquei nas caras dos homens e fiquei ali, filmando eles... Enquanto açoitavam os animais, açoitavam a nossa comida. Comida esta produzida através do Ato de Necessidades nº4, que estipulou ser preciso o uso de fertilizantes alimentícios potentes para a engorda rápida dos animais para abate, de forma que eles se transformassem em montanhas gordas de pele e banha –gordura boa, que lambuzava meus dedos todo o fim de semana, ficava por dentro da carne, por dentro de nós, ao menos, quando era inculto, sem cultura entremeada.
...Então, enquanto gravava... Ouvi:
-Maldito! Está me gravando de novo?! Pensa que vai me denunciar, aí se te pego! Te mato!
Horrorizado, foquei no gordo de barba que apontava pra mim com um facão de serra, algo cortante, algo mortal... Olhei em seus olhos, ouvia a chuva, abracei o terror...
Chúuuuuuua! Chúuuuuuua! Chúuuuuuuua!
Um vazio me tomou e eu apenas podia continuar a gravação... Antes iria disponibilizá-la na Grande Rede, ou em algum site da Baixa, não sei... Polemizar e talvez aparecer em algum dos canais subterrâneos de mídia como: “O herói das vaquinhas”... Mas, não, não adiantaria... O vazio que produziu o temor de poder morrer pelas mãos daquele homem me tomou, de baixo pra cima eu suava, eu temia a serra me cortando, pois isto ocorreu com a vaca. Parindo, não havendo tempo para mais nada, o barbudo que me ameaçou cortou a barriga do ser, enquanto o outro fincava uma furadeira grossa utilizada nestes matadouros ilegais para o abate... A morte instantânea do bicho não fora seguida pela vaca, pois, de sua barriga saíram seis filhotes... Ela era modificada, um ser modificado em locais de beira de esquina e que viravam meu bife... Pensava em ser vegetariano, mas, não, ainda teria o mesmo veneno... Algo que deveria mexer com nossas mentes, nos deixar loucos, já que eu estava assim, em silêncio, sozinho e gravando aquela cena, numa megalópole.
Não havia mais tempo, ouvia-se o
Bluong, bluong, bluong...
Era a corredeira chegando, era a morte para qualquer um nas vias públicas naqueles dias... Isto porque a água corria com lama, mesmo mais lenta, derrubava o que estivesse no caminho e, justamente por estar enlameada, sugava tudo para o seu fundo, para o fim.
O fim da gravação se deu com a ligação de meu amigo, quebrando meu estado de perplexidade, ao ver a gigantesca massa de água vermelha, correnteza que agarrou a vaca e seus “filhotes”, assim como levou o touro morto, tudo pra longe, a sujeira fora pra longe. Porém, os dois que levavam os animais, em pulo rápido com igual agilidade do chinês velho, trancaram a porta isolante – que tinha uma abertura embaixo, deixando os pés molhados – escaparam, meus inimigos, inimigos pelo acaso da megalópole.
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