segunda-feira, 11 de abril de 2011

O pequeno caso do Cão Calixto #Agentes do Caos

 -Desejo um teletransporte!
 Falou minha filha de quinze anos.
  -Não posso te dar o mundo criança, entenda! -Falei pra ela, olhos d'água, barriga a sangrar e havíamos -eu, ela e sua mãe morta, pintado uma triste figura em Abul Akara.
 ...
 Abul Akara, uma das primeiras cidades planejadas com mãos de ferro por um ditador muçulmano no século XVIII, ele foi deposto depois, mas, tinha feito um trabalho espantoso: no meio do deserto pedregosos da Etiópia, ergueu uma cidade de cobre e ferro, forjada em canos que a atravessavam, fazendo pontes e rios de metal, uma obra monumental, tudo em busca de uma coisa: água. E por pouco mais de trinta anos, eles foram os mais ricos da região, qui'sabe do continente.
 Mas, a água acabou, as pessoas se foram, o dinheiro se foi, o ideal morreu. E agora, rei Abul III?
 ...
 "Agora ele come mato pela raiz!", falavam os três grandes seguranças do Palácio de Cobre.
 A mãe, morta e desonrada pelo pior deles, o pai, morrendo, atirado pelo mais contrariado em trair o rei, a filha, chorando ao lado do pai, era desejada pelo outro, o terceiro (mais quieto, mais sádico!).
 Cheguei neste momento, sorrateiro, passei minha cauda pelo que violentou -o mais mau-, minha cauda de ponta de flecha cortou sua garganta; me senti justiceiro, engraçado. O segundo, o atirador, reagiu e quase me acertou, dobrei meu corpo como borracha e mordi sua cabeça, minha boca de cão deu conta de arrancá-la. O terceiro, já com os membros pra fora e com a filha do rei deitada perto da varanda, próxima a "perder a inocência", morreu de susto: foi correr e caiu da varanda.
 ...
 Sou um anjo de deus pra menina, ela me olha com cara de admirada, a anos que ninguém me via assim... Desde que minha mãe cuidava de mim, a uns cinquenta anos atrás, na Baviera... Eu era uma criança diferente, chifres e pele escurecendo, mas não só a pele, estava virando couraça, caía e doía. Nasci Michel Leiblfing, agora sou me chamo Calixto... Sou um meio homem, meio cão, tenho quase dois metros, preto, cauda de ponta, chifres curvados e triste, triste porque entre os que lêem este texto, há muitos que só vêem minha parte externa, meu corpo e músculos, e poderes; minha feiúra e forma, com seus olhos, tentam falar o que sou, através do espelho das suas casa, vocês -leitores- tentam colocar-me, não sou uma forma que vocês podem definir por vocês, sou o que sou pra mim, já me basta. Não bastou pras crianças que me perseguiam, pro pastor e padre que perseguiram com todo o vilarejo e mataram minha família e meus irmãos... O sangue de minha irmã escorreu pela boca não de minhas presas, mas da lâmina dum ferreiro qualquer da cidade.
 Hoje, posso estar meio perdido, estou até livre. Sou um Deles. Dos Agentes.
 ...
 1888, Cairo, Egito, embaixada de Bretan.
 Os agentes da Rainha querem que eu entregue os dois, pai e filha, o primeiro com a barriga remendada por mim esta um pouco mal, mas sobrevive, o segundo "prisioneiro", não quer ir, quer ficar comigo; crianças, sempre amando aquilo que não conhecem, nesta idade... É, meus quinze anos se chamavam Frida e foi em Feist.
 Abul III e seu grande bigode tinha muita coisa escondida em sua barba, os projetos da cidade eram o que mais queriam os agentes Tom e Hoppik de Bretan, tais coisas não existiam em papel e eram a única moeda do último rei de Abul Akara. Havia um acordo, passaríamos mais dois dias ali, eu estava com um manto na hora das negociações, pra variar, os anglicanos me achavam estranhissimo.
 Resolvi achar "algo melhor", fui até o necrotério, busquei o que mais estava inteiro... Deveria ser um oficial inglês, morto em serviço... Estranho este termo, morremos em serviço de quê?
 Desci a rua, estava ainda me acostumando ao "recinto", o "pote", ouvi um estouro, era na embaixada! Corri, com dificuldade, afastei curiosos da frente: uma bomba explodira! Senti cheiro de coisa ruim, e de enxofre também, claro. Não fui em direção a embaixada, mas ao lugar onde os agentes colocaram o rei e sua filha, estava tudo quieto lá... O que era estranho. Subi e meti o pé na porta, a Colt disparou, acertou meu ombro, mas o corpo que eu usava estava morto, continuei, tiros no peito, não liguei, catei o atirador pelo pescoço, bati sua cabeça na parede: morto. Veio outro e me deu uma cadeirada, vi por baixo da casaca do morto: Marseille, então, acabei numa droga de trama internacional! Odeio estas coisas! Levantei e zonzo, me defendi, dei um soco e o outro caiu, corri pra ver se tinha algo, no quarto do rei em que estava, só encontrei os dois miseráveis... Fui para o do canto do corredor, o da filha... Tiros de carabina, me abaixei, não poderia perder este corpo tão fácil! É difícil encontrar um do meu tamanho... Vi o miserável correr pra escada do outro lado, ele queria descer e ir pra rua, pulei da varanda que existia no meio do vão das duas escadas em círculo... Caí em cima dele, quando tentou me atirar, vomitei sobre ele fogo negro... Corpo demoníaco tem que ter suas vantagens!
 Subi as escadas de novo, vi que os funcionários estavam mortos... Abri a porta do quarto, ela não estava lá, eu falhei. Sem férias em Istambul, mas lá estava um caos mesmo... O que é bom, já que eu sou um Agente do Caos, claro, nunca fui bom em piadas... Enfim, tinha que achar ela, terminar a minha missão, a missão que eu dei a mim mesmo, que eu deveria cumprir: achar eles, achar ela...
                                                           * * *
 Lutei com muitas coisas, a principal é comigo mesmo, isto sempre me fez achar que sou mais humano que besta, isto que me fez entrar pr'os Agentes. Minha liberdade e minha auto-crítica muitas vezes evitaram de conseguir ficar tranquilo, estável, mas, talvez seja isto que me faça humano... Meio humano de corpo, meio demônio das ideias, mas, somos assim.
 Desci a rua, estava em obras... Havia oito anos do ocorrido, tinha a cara de um homem duns trinta anos, barba por fazer, terno e casaca pretos, minha sombra revelava minha real forma, mas ninguém me notava, todos dormiam em suas camas. Obras de planejamento urbano, o prefeito D. Dumas fazia muito bem o seu trabalho, a "custa do sangue de alguns, o progresso", ouvi uma vez.
 Casa fácil de entrar, sem muita segurança. Entrei, tinha um guarda velho na porta, derrubei ele, só coloquei clorofórmio na sua cara, silenciosamente. Fui pros quartos, o velho rei Abul, agora só Abul, não mais rei e sim arquiteto... Passei reto... Entrei e a vi... Ela derrubou as coisas no chão, estava linda, com a pele brilhando a luz da lua...
 "-Michel... É você?", disse ela; me reconheceu pelos olhos, disse depois, enquanto estávamos deitados na cama... Depois... Olhei pra ela e beijei-a.
 ...
 ...Sai, de manhanzinha, silenciosamente como entrei... Queríamos só uma noite, acho que estava bom. Ela também poderia achar, eu fui algo que veio, ficou e foi pra ela... Continuei pela rua, continuei a lutar comigo no mar de mim mesmo, meu mundo.



MUSIQUETA DA POSTAGEM

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