Capítulo 1 - Memento mori
Eu me casei aos 5
anos, disse minha filha, enquanto eu a ouvia, em silêncio. Seu marido tinha 16
já e estava num colégio do Céu, próximo aos anjos, que tinha asas
multicoloridas de papel celofane. O nome de meu genro era Tomas, eu o amava
como um filho, mesmo ele sendo apenas: um sonho. Sonho de minha filha
Enquanto ela
caminhava, caiu em pequenos espinhos – me disse no outro dia – o Tomas estava
longe e não a protegeu, ele era seu amigo imaginário e havia abandonado minha
filha... Não acreditava mais no amor, nem ela nem ele, não acreditavam mais em
nada... Eu ouvia em silêncio enquanto ela contava que quando pisou no primeiro
ramo de espinhos, o mais um veio até sua perna e se amarrou nele, indo e
subindo, ia caminhando por sua perna e a prendia.... Os ramos foram até suas
partes secretas e com 13 anos, minha filha sangrou pela primeira vez... Seu
amigo e marido Tomas estava longe, eu supunha que ele havia sido levando pelos
Asas de Todas As Cores, como eu, anos atrás, no mesmo ano de quando ela se casou.
O sangue de suas
perninhas fez com que minha antiga rainha, Felícia, que podia se transformar em
uma gata ( eu usava isto para conquistar corações de metal, bombas hidráulicas
de sangue, como o meu, por aí), a trancasse em um Hospital. Porém, a menina esperava
sair dali o quanto antes... Fraca, mas, confiante, continuava a me contar as
coisas, por meio de cartinhas enviadas por passarinhos... César era o mais fiel
deles, quase um amante dela... Aquele pequeno bem-te-vi era minha única
comunicação com minha filha, que me contava coisas mais atrozes a cada pequeno
bilhetinho escrito com ponta de cateter:
O nome dele era
desconhecido, ele era um Padrasto. Não era como o meu, avô de minha filha, que
nos criou com amor que seus filhos que não teve. Ele era estranho... Médico de
Felícia, tentava sempre arrumar seu nariz, orelha e boca, pois isto desagradava
a minha ex, sempre mexendo, tentava cada vez mais deixá-la como ele: seu nariz
ela pontiagudo, suas orelhas, em cima da cabeça, seus olhos, esbugalhados e vermelhos
pela cólera, me davam uma mostra de como era a Beleza, desde que eu fui levado
pelos Anjos-De-Todas- as Cores...
Mas, minha ida para o
Silêncio daquela cripta não me deixava de pensar em minha pequena filha, que
casara com 5 anos com um sonho, eu não me permitia... Meus ossos cada vez mais paralisados e meus vermes cada vez mais com fome, pois minha carne acabara...
Eu era apenas uma Enorme Vontade, ao qual eu dei o nome de Saudade. Saudade foi
aos poucos se tornando meu nome, e eu contei isto a minha filha... Ela me
contava que este nome combinava com meus olhos, sempre verdes, como o mar de
nossa cidade suja...
Foi em um dia, quando
a mãe de minha Filha estava sedada. O Padrasto tomou uma pequena garrafa de
gasolina e despejou nela, com um pequeno corte de um fio solto e conivência de
uma enfermeira amante, deixou e esperou minha ex ligar seu ventilador... Era um
dia quente, era quente como o inferno... Mas, isto não era importante, não
ligava daquela fêmea me encontrar no silêncio, apenas ligava para o que César
iria me contar dias depois....
Minha filha, sedada e ainda zonza, apenas viu um Padrasto
com seu tubo de carne vermelha e nojento, coisa odiosa... Coisa que não é pra
ninguém!!! Coisa que é ato indigno, não pela parte biológica, mas, pela ação
odiosa... E a pequena... Um dia ela acordou no ato, um dia ela chorou por
Tomas, mas, o maldito havia ido embora...
Como eu fui embora...
E a Saudade foi se tornando algo estranho, força motriz. Foi
indo na única parte que havia sobrado na minha carcaça: bomba hidráulica cheia
de coisa vermelha que não mais havia... Ela foi revivendo, foi tornando-se algo
poderoso... Algo forte...
Mas, minha filha ainda estava no Hospital, sua mente estava
em um feitiço de medo. Ela ia a escola com outros meninos, belos meninos para
genros, mas, nenhum ligava para ela... Pequena garota de 17, cabelos roxos até
a testa e tênis de borracha: também ela não ligava, a Filha era muda – a mais
maligna cirurgia do Padastro.
Eu tinha que fazer
algo agora... Só que o Padastro era agora nomeado Poderoso, pois nos ossos
chamuscados de minha esposa, aquele Médico achou a Escritura de todos os meus
bens. E com eles ele tomou para si um Castelo, aquele Hospital; ao seu lado,
deixava uma mansão, no quarto embaixo das escadas, minha filha jazia... Muda.
Morta, semi-morta.
Eu tinha que fazer
algo agora, mas, como minha única forma era César, tinha de levar em conta que
ele estava velho, fraco, penas brancas na cabeça... Só que, tinha de me ajudar!
Pedia a ele que me achasse três pequenos serafins, eles eram loiros, forma de
meninas, olhos negros... Como demônios antigos, foram eles que me levaram anos
atrás... César aceitou a missão, porém, me disse:
-Cuida da minha família? É minha última viagem nesta vida...
Meus ossos estão frágeis meus sonhos, se foram, meus filhos, crescem... E
apenas algo me mantém, O Algo que Me Faz Lembrar...
E minhas palavras no
silêncio lhe prometi um terço do meu reino em vida e uma parte do meu coração
imortal para cada filho do pequeno sabia. César aceitou e nunca mais voltou
para a janela de minha Filha, ao qual o pássaro me dizia que tinha a única
alegria de ser Violeta, a menina muda, mas, que ao menos em seus cabelos
coloridos, fugia do reino maligno do Poderoso.
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