domingo, 25 de agosto de 2013

Tapião

-É, horrível toda esta montanha de água... Dizem ainda que ela é doce!
-Horrível, meu vereador, horrível mesmo... Preciso confessar que gostaria de voltar para o nosso planeta logo, sinto falta das chuvas de amônia que banhavam as nossas faces...
-Tudo bem, Polarim, logo voltaremos... Temos de continuar a nossa exploração para colonização – O vereador passou a mão para tirar a poeira que os seixos arredondados criaram em sua calça boca de sino, levantou-se da rocha em que estava e pôs seu casaco longo e negro, assim como seu capacete-com-abas (eu diria que parecia um chapéu, e assim vou chamá-lo).
-Aonde vamos agora, meu senhor? – Disse Polarim, que é o diminutivo na língua daquela raça para Polaris, seu nome era Dola Polaris e ela era concubina do Vereador, servia para a sua diversão e reprodução.
-Vamos para uma cripta no centro desta terra rochosa e negra, os viajantes de nossos cruzadores-espaciais Nyxk nunca enviaram ninguém para lá e é necessário que alguém veja do que se trata...
Enquanto os dois passavam pela praia para subir um monte rochoso, que apenas tinha alguns poucos líquens vermelhos, a nave em forma de triângulo usada para a descida dos dois, fora desligando as luzes e, aos poucos, a atmosfera nebulosa do planeta foi tomando todo o lugar. Polaris e o Vereador tinha variadas formas, ambos tinha narizes que pareciam de gatos, dada que eram pouco pontudos e pintados em baixo de preto, só que o corpo de Dola era loira, menor e o tronco mais acentuado, já o Vereador, careca, tinha longas pernas. Também tinham os dois um tipo de sobre-pele cinzenta, d’onde saiam canos que se curvavam retangularmente, voltando para a manta, apareciam só nas partes descobertas da roupa e, no pescoço, viravam uma coleira aonde saía um capacete; isto existia, pois, a espécie deles, os Eupalinos, viviam em um planeta aonde a amônia era líquida e coisas como a água, para eles, não existia em abundância, para esta espécie, esta coisa era até mesmo algo de mal-agouro: o lugar aonde o “demônio” vivia era chamado de “Lugar aonde a água molha os pés” (Ouriuris) e o seu nome era mesmo “Senhor dos Aguados” (Ouraror). Mas, fora toda esta mitologia antiga dos Eupalinos, eles tinham problemas com a água, que não os matava, mas, uma vez em atmosferas como a deste planeta e de outros com muita água, passavam a desenvolver doenças pelo nível de toxidade, por isto, criaram roupas em que saiam tubos que retiravam toda a água absorvida pelos seus corpos, as Eupavestes.
A água tomava tudo ali, o próprio planeta em que estavam não tinha quase nenhum vulcão, pois, o seu núcleo era praticamente frio: o planeta girava vagarosamente e só não ficava estático e congelado porque a estrela branca em que ele transladava enviava tanta energia para ele, que o fazia girar e ter dias e noites. Porém, quando os Conquistadores aos quais o casal de Eupalinos estava trabalhando passaram por ali, fazia  décadas, passaram por este planeta, nada encontraram, a não ser alguns líquens vermelhos e o oceano de água doce que era tão profundo que chegava até o núcleo do planeta. Tamanho era o silêncio que só era quebrado pelas ondas intermináveis em uma costa rochosa que eles chamaram este lugar de Goostomu, “aonde tudo dorme”.
Ao tempo de que contei as questões sobre a aparência de um Eupalino e sobre o planeta Goostomu, o casal chegara até a enorme cripta, lá havia um gigantesco túnel para baixo, aonde várias ramificações tomavam para o centro de uma lagoa.
-Olhe aquilo! – Disse o Vereador, apontando para as paredes – A rocha é polida, tem algumas coisas nela...
-Sim, meu senhor... São escritos?
O Vereador pegou um aparelho redondo que liberava um escâner de luz, acertou várias marcas menores, até que elas falaram bem assim:
“Nós deixamos – nosso senhor – nosso último líder – nosso salvador – nosso que dorme aqui – manteremos ele para sempre – tapião”
-A língua deles... Estranha, só fala relaciando tudo para “eles” – disse Dola
-Sim, ela é uma língua sem objetos, parece que eles só ligavam para o seu povo... Entretanto,  o nome do que quer que exista aqui é algo como “Tapião”...
Olharam os dois para aonde se acabavam as pedras dispostas circularmente pela cratera, e lá havia uma outra pequena gruta. Seguiram até um salão no centro, o Vereador a frente e Polaris atrás. O pequeno lugar arredondado tinha um vulto, e do vulto gordo saíram olhos verdes que olharam os dois...
O corpo do Vereador voou para bater no teto do túnel, enquanto Dola era jogada para trás. O pernudo eupalino quando caiu, ainda desorientado, mas, nem tanto, sacou sua pistola de ácido e jogou um jato para a criatura, que diminuiu de tamanho e fitou a dupla...
O Vereador perguntou se Dola estava bem, e ela disse que apenas estava espirando, talvez por conta de estar no período fértil da espécie (o órgão reprodutor da eupalina fêmea é na boca), e não precisava que o seu senhor se preocupasse, em pouco tempo, ela já retirou sua pistola de ácido também, assim, ambos miravam no vulto. Perguntou o Vereador:
-O que é você? – Ele falou para o objeto redondo, que era um transcriptador Nyxk que usava o banco de dados do planeta biblioteca Rudedeon-3, e apontou para a criatura. Esta, nada disse, apenas apontou um de seus olhos para eles e os dois passaram a levitar, temendo um ataque, Polaris atirou próximo aonde a criatura parecia brotar do chão e eles caíram:
-POR QUE ISTO, POLARIM? – Gritou o Vereador.
-Ele ia atacar a gente, meu senhor!
-Como podíamos saber? Talvez ele nem saiba falar alguma coisa e...
-Ela estava certa, pernudo... – Saiu uma voz rouca do vulto, que tomou forma, como se levantasse por estar sentado: era de pelos castanhos tão escuros, que negros quando não vistos contra a luz.
-Quem é você? – Apontaram os dois para o ser suas pistolas de ácido
-Eu sou Tapião, senhor desta terra e último Gore vivo...
-E o que quer?
-Eu? Eu sou o último de meu povo... Dei a eles a liberdade e eles quiseram me compensar aqui, me deixando como uma estátua para lembrá-los de seus grandes feitos... – Tapião olhou para os dois e eles puderam ver que ele tinha um focinho, d’onde saiu uma pequena língua que emitia a sua voz, fixando seus olhos no Vereador, ele viu:
-Ahhhhh sim, Vereador... Você e seu povo, Eu... Eupalinos... Vivem em um mundo infernal, digo, para mim...
Então, ele entrou na mente do Vereador e descobriu, enquanto ouvia a atenta Dola Polaris tudo aquilo:
Em Eupalina, lar de ambos, estava Mégara, um Comandante que se apoiava sobre braços maiores que o corpo disse para o Vereador:
-Você levará ela para longe, pois, ela logo terá o ovo que é seu e logo este deverá tomar o seu lugar como Vereador, como é a Lei... Quando isto o fizer, você não poderá concorrer a vaga de se tornar um Comandante, como eu sou, meu camarada... Largue esta miserável em algum lugar da Galáxia, chame os Nyxk e viaje até lá, como é o nosso acordo como eles e deixe ela lá... Mas, cuidado, escolha um lugar... Um lugar aonde ela não atrapalhe...
-Mas, mas ela terá um ovo meu... – Disse o Vereador
-E você teve sempre as melhores notas nos nossos testes, será um ótimo Comandante... Agora, você prefere ser bom para todos e com sua meta, ou com algo que você nem conheceu? Sabe que matar a fêmea não é uma opção! Os detetives descobririam o corpo! (o aborto, na espécie do Eupalinos, não era possível sem o risco de vida da mãe)
-... – Sobre o silêncio do Vereador, sobreveio uma imagem a mente de Tapião, e ele disse:
-Então, o Comandante Mégara apertou um botão da nave que trouxe vocês dois para o cruzador que os traria para cá... Interessante...
Com lágrimas no rosto, que eram brancas, por serem de amônia, Dola olhou para o alto e pernudo Vereador. Não dizia nenhuma palavra.
-Polarim... Isto é mentira... Minha pequena Pola...
FISSSHHH
Disparou a pistola de ácido dela no peito do eupalino, enquanto este caia no chão do salão e morria, com o ferimento infeccionando devido a umidade da atmosfera.
-E agora... E agora... Pequena Dola Polaris? – Perguntou Tapião
-Você... – disse ela, limpando as lágrimas – você não sabe?
A criatura sorriu e dobrou seu corpo como um gigantesco fluído escuro, que entrou no ferimento do Vereador, até fazer sua pele tornar-se viva novamente, o corpo levantou-se e perguntou, ainda com voz rouca:
-Em meu mundo, há a figura do casamento... Gostaria de se casar comigo, Dola Polaris?
-E... E o que você me oferece?
-Toda a Eupalina para nós, como os Comandantes Supremos e seus filhos saidos deste ovo que gesta, vivos, assim como você...
-... – Dola sorriu, abaixou a pistola e comentou – Você também olhou para mim, não? Viu sobre... Mégara?
-Sim. – Tapião vira, Mégara enganar o morto Vereador e beijar em cantos dos castelos, a boca de Dola, porém, além de beijá-la, também a acorrentava por dias e batia, ela fora a sua maior criação para derrotar o seu maior rival – Quando encontrarmos com este Mégara, será preso por tentar nos matar, nos mandando para um planeta habitado por um monstro antigo que dizimou toda a sua sociedade...
Nisto, os dois estavam já embarcados na nave triangular, voltando para o cruzador, para irem para casa. Mas, a dúvida daquilo que ouvira surgiu na cabeça de Polaris:
-Como assim, um monstro antigo? Como vamos provar isto?
-Sabe, minha cara Dola – sorriu Tapião, na pele do Vereador – quando a minha espécie morria, ela se decompõe em água
A moça, lentamente, chegou a mão até o cinto, porém, seu coldre estava vazio e no cinto de Tapião, havia duas pistolas, agora, apenas ele tinha as armas.

E, no vazio da saída da atmosfera, os dois se entreolharam, seguindo seu rumo.


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