Não, não havia mais sentido entre nossos olhares
Nada ali havia, mais que simples poeira, memórias
Pois, é de pó que somos feitos, nisto estão nossos reflexos
Perdidos no tempo, em algum tempo
Isto, uma pequena vela trêmula, a vida.
A vela se apaga, fica um cheio de pavio queimado no ar, por poucos minutos
Não mais, não menos
Porém, o ar permanecerá, o fogo iluminou a sombra
O ato perpetuará pra eternidade
A vela se apagará
A luz iluminará em outras sombras
Em outros quartos escuros
Entre outros olhares
Nós, minha querida, aqui estamos
Como velas no amanhecer sendo apagadas
Para que com o grande sol, sejamos todos iluminados.
E, mais além, para que uma luz muito maior nos transpasse o peito
Corte a sombra interior que é condição humana
Sombra ignorada pelos fracos, festejada pelos demoníacos, temida, pelos sinceros.
A vela se apaga, meu amor, como em nossos anos que passaram
Como todos os problemas enfrentados, filhos criados, casa ajeitada
Bens materiais, envelhecidos ou envernizados, também o são nossos ossos e músculos
Mas, a música permanece
O cheiro do pavio apagado
A manhã chega
O ato perpetuará em insondáveis caminhos
De mistérios sutis, ouvidos por quem possa
Abrir o coração
Ser mais que aquela vela
Apagada
Apagar-se
Peregrino no deserto, escuro e solitário
Vendo apenas outras velas
Pequeninas estrelas
Iluminar o caminho
Com o cheio da parafina
E as estrelas distantes
Olho para gente ao meu redor Vejo montanhas e oceanos Mas, vejo apenas Não sinto Há apenas matéria nessa gente Essa modernidade evoluída Foi do fora, pra dentro e diz que dentro Não há nada Não mais motivos para ser você Apenas mais um Não apenas aceitar ser pequeno Mas, ficar sendo pequeno Mínimo, calado. Em seu lugar Aceitar o que te dizem e revoltar-se Do jeito correto, naquele ou outro Caminho Te chamam de burro, vagabundo Ou romântico E deve ficar quieto Não existe eu, não há fora e dentro é aparente Tudo um jogo de espelhos, prisão ou depressão E no vale de lágrimas, a maior parte Das mesmas coisas, do mais do mesmo Você se aquieta, você apaga. Morre No deserto do que os outros dizem ser correto Errado, injusto ou até mesmo... Real Mas, o real te bate as tripas Te aparece nos momentos chave Em que heróis do cotidiano Dos feitos de pequena escala, mas de profundo toque Dependerão de você Então, o mundo cala Ele não ajuda, envergonha. O nada não serve a nada Apenas a si mesmo O falatório do meio, dos doutores, televisores Alguns amores Nada te ajudará quando o Real te demandar: -Seja agora, ou cale-se para sempre!
Pois, quanto falatório seu espírito aguenta Antes de virar um calado Pó de sapato De alguma montanha agorenta?
"A sorte favorece os audazes", li uma vez Enquanto atravessava de navio, um canal Perdido no tempo dos meus pensamentos.
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Um Quixote sem escudeiro Um homem num deserto de gente Coberto de poeira, sua preguiça do mundo Seus mestres, apenas trouxe decepção ou ranger de dentes É poeta, porém ruim É artista, porém frustrado em outros caminhos Nada tem de muito valor Nada fez de muita coisa Nada fora do mundo do básico, do discreto e até fácil Serei nada? Talvez Mas, sua obra pode ser apenas estender a mão Apenas ouvir Apenas falar o que tem de ser dito E isto, meu caro, seus diplomas e fariseus não darão A paciência O silêncio respeitoso, numa modernidade que apenas Valoriza o grito, o militar e o reagir A ajuda é necessária e a estrutura se faz Resistindo Resistindo a si mesmo, ao maremoto do mundo A fúria de si mesmo Ao abraço que aquieta a dor do outro, mesmo que por segundos Um cavaleiro não se faz apenas de espadas Mas, em andar e errar Aceitar ser errante Lutar em combate quando mesmo o espírito se fragmenta Em lágrimas Em injúrias de si contra si Continue, continue a viver Segure mais um pouco Sustente mais alguém, levante mais um caído Caia, mas, ajude Do jeito que for Se apenas puder escutar, se apenas puder caminhar com outro Faço-o E seu existir, fará sentido pra ele "Abster-se de si, enxergar o outro" Li em um escudo uma vez, num campo de batalha Sempre vindouro ----
Se eu pudesse dar um pequeno conselho de escrita, diria: não mate o seu narrador interior. Não permita que coisas como a escola (universalizada, ou em raros casos, em grupos fechados), os amigos ou pseudo-amigos, os jornais e especialistas - falsos ídolos de idoneidade, destruam a sua capacidade de ler e escrever o próprio mundo, seja por imagens ou figurinhas, cantando com a família ou discutindo com humor numa mesa de domingo, nos causos intermináveis. Sua vida será sua, ela pode ser uma prisão ou um castelo, pode viajar ou lutar em cada minuto, mas, é sua e responsabilidade sua, ser capaz de narrar a si mesmo e não escapar e deixar-se levar pelo falatório, demoníaco, de quem não tem nada haver contigo, mas, pensa saber mais ou que tem o direito de ordenar a vida, não te dar conselhos, mas, ordens.
Escrever um texto decente ou minimamente comunicativo, algo que nunca fiz direito, ou que evito reler por sempre achar incompleto - a vida é incompleta, e é bom que seja assim -, passa por esta capacidade de criar o que existe em uma dimensão nova, diferente. Não é pensamento, nem crença ou fé, é transmissão, é palavra, imagem, é agir no papel passivo para criar um despertar em quem lê. É contar a história ou estória viva, lançar das palavras todo o sangue e ossos, arrasar pelas frases sua ideia, suas memórias contidas e trabalhadas. Lutar, escrever é uma épica aventura de si mesmo para o outro.
E se você não observa ou sente o outro, nunca poderá escrever algo decente ou, até mesmo, falar algo que preste. Poderá fazer outra coisa, várias coisas, o mundo é diverso e pleno de várias atividades, porém, narrar algo, não serás capaz de fazer, talvez em outro momento, quem sabe? Quando seus olhos abrem e você vê aquilo que está fora, poderá escrever sobre o que está dentro e narrar a mínima folha caindo entre o Céu de infinitos grãos de estrelas, como a mais fantástica coisa contida do abraço de seus pais até o tempo de abraçar seus filhos, da ida a escola até a ida para o túmulo, do ver aquela pessoa até beijá-la, naquele dia, na chuva.
Escrever é narrar outro, sabendo que é você, o responsável por aquele mundo, de frases, suspiros e, quem sabe, bocejos. Narração sua, guarde-a, lute-a, faça-a.