quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Eis

Perambulando pelo quarto escuro
as ideias que não são tão minhas
Eis-me o homem, aqui vacante
Em férias de algo bom em si mesmo
Cadenciando a marcha ao insondável problema
Falta cometida
Necessidade
Aquilo que não está lá
Sacia-se com várias sombras
Está em um quarto escuro, jamais vê a luz lá fora
Pois, é a noite da alma
Na marca de sua caminhada pelas diversas salas
Busca sair de dentro algo que deve estar lá fora
Sujo, sem luz que não seja fraca
Meros raios de uma vida imersa
Serei eu capaz de sair, às pressas, do mar escuro
E respirar?
Eis-lá o homem, vaidoso
Partindo para o caminho em círculo
Qual o vício o condena e cinge
A face a voltar-se como a serpente da falsa eternidade
Alimenta-se do próprio rabo
Vá e volta
Eis-te aqui, a possibilidade
de sair e caminhar de verdade
Entra no sol e queima o olhar
Pois, só no susto em algum despertar
Se ainda é capaz, eis que acredito que sim
Levanta-te e anda
E olha bem, agora, para trás"

quinta-feira, 19 de março de 2020

Ali, no bosque, vi
Meu rouxinol
Canta aqui comigo, no ritmo
Do meu coração alegre
Música festiva, fugitiva
Que busco empreitar a corrida
Em direção aos braços de minha amada, q'és
Tu, pássaro?
Tu, moradora de minhas florestas?
Tu, segredo em meus lábios?
Voa, rouxinol
Canta, em solo meu peito
Na manhã, ao nascer, entre lençóis te espreito
Te beijo
Te canto-lhe
Rouxinol, seremos nós
Rouxinóis.




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Ao enfrentar as ideias de uma pessoa viva, um militante pode arcar com seu pior veneno: a sátira ou o simples ato de ser ignorado. Ao escrever a História das gerações ou pessoas já mortas, haverá o ganho da satisfação do desejo por controlar a vida do outro, a trajetória de um mundo - ao qual, em geral, o pareceria alienígena. Seu ato de detratar ou glorificar terá como barreira apenas membros aceitos da tribo, acadêmicos de linguagem técnica com os mesmos cacoetes.
É impossível a neutralidade, pois isto é antinatural, nossa parte da Queda ou mesmo divina (transcendente ao devir, para os não crentes), mas alardear que há a total capacidade de alterar o passado apenas demonstra o nível de canalhice com quem está morto, aqueles que sempre serão excluídos do debate e escrita da História. Um pouco de austeridade é importante e não apenas o sentimento de plena potência adolescente, que se acha um grande amante da literatura e escrita, mas que só teve contatos de autosatisfação em seu quarto.
Abra as portas e janelas, deixe o sol e o vento entrar.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Peregrino

Não, não havia mais sentido entre nossos olhares
Nada ali havia, mais que simples poeira, memórias
Pois, é de pó que somos feitos, nisto estão nossos reflexos
Perdidos no tempo, em algum tempo
Isto, uma pequena vela trêmula, a vida.
A vela se apaga, fica um cheio de pavio queimado no ar, por poucos minutos
Não mais, não menos
Porém, o ar permanecerá, o fogo iluminou a sombra
O ato perpetuará pra eternidade
A vela se apagará
A luz iluminará em outras sombras
Em outros quartos escuros
Entre outros olhares


Nós, minha querida, aqui estamos
Como velas no amanhecer sendo apagadas
Para que com o grande sol, sejamos todos iluminados.
E, mais além, para que uma luz muito maior nos transpasse o peito
Corte a sombra interior que é condição humana
Sombra ignorada pelos fracos, festejada pelos demoníacos, temida, pelos sinceros.
A vela se apaga, meu amor, como em nossos anos que passaram
Como todos os problemas enfrentados, filhos criados, casa ajeitada
Bens materiais, envelhecidos ou envernizados, também o são nossos ossos e músculos
Mas, a música permanece
O cheiro do pavio apagado
A manhã chega
O ato perpetuará em insondáveis caminhos
De mistérios sutis, ouvidos por quem possa
Abrir o coração
Ser mais que aquela vela
Apagada
Apagar-se
Peregrino no deserto, escuro e solitário
Vendo apenas outras velas
Pequeninas estrelas
Iluminar o caminho
Com o cheio da parafina
E as estrelas distantes

A vela se apagará
A luz, permanecerá.


sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Poucos lerão

Um bom leitor, com sua experiência acadêmica e mesmo sua elevação filosófica, pode não ter nada de bom escritor. Saber como dizer algo, como um elaborado passo de dança, ou um rocambolesco verso, um filme arrastado pode, ao final do julgamento do tempo, passar como uma mera febre.
Há algo na humanidade de febril, a novidade, vence nos primeiros rounds, passando a ser uma certa ressaca, azeda e trintona, cheia de ressentimentos pelo que nunca foi, cega sobre o que é. Porém, existem escritos, que com a sorte de bons editores e que suas bibliotecas não fossem queimadas - o que dá a verdadeira Arte e Literatura certo grau de Fortuna -, que atingem algum ponto do entremeio humano, naquele ponto em que a consciência está nos passos de certa eternidade, ou mesmo que um grande monstro está se criando... É ali que reside a atemporalidade de uma obra, em captar, muitas vezes contemplativamente em biografias (mesmo de personagens), 'panfletariamente' para algum fim específico que é distorcido ou mesmo, pelo puro ato do acaso, do acidente.
Ler bem não garante a celebridade da obra, garante a libertação do leitor, são dois atos diferentes do espírito, um que se abre, outro que esculpe. Às vezes, uma imagem singela, outras, um grande palavrório rebuscado e que se torna um belo elefante de louça. Logo, sinto que existem muitos que escutam, poucos que poderão falar mais do que a sua vida ativa e madura, uns vinte anos no máximo, permitir, cabe aceitar o silêncio. A boa leitura é uma das tecnologias do silenciar-se.
E, no Silêncio, lutamos o mistério.

sábado, 9 de novembro de 2019

Tua fronteira, casinha italiana

Frentes mapas
Que escrevi pelo teu corpo
Com letras de topônimos
De nossos encontros,
Daquela vista no ônibus,
Àquele sorvete sobre a mesa,
Na batata do botequim.
Planisfério definido em ti
Em teu traço para mim.

Faço as fronteiras que em
Nós enlaço
O próximo fronte a ser descoberto
A nova cascata nas Áfricas
A ser achada, para nascer o Nilo
É o teu sorriso!
Fronteiriço, corrente do rio
Seperas e calas
A alma contigo
Num abraço 'inimapeável'
'Inecontrável'
'De um lugar nenhum'
Sendo contigo todos
Todas as tardes em busca
Daquele próximo sorriso
Daquela fronteira de Paraíso
De um pequeno tesouro
Escondido em desbravamento
Dos dias, assim


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Caminho pra casinha italiana

Olhinhos cintilantes
Viagem do céu ao peito
Com as estrelas cadentes
Sobre meus passos
Fulminantes, entre o dia
E a noite, quando te revejo
Entre os beijos
Daquele quarto qualquer
Naquela casinha à italiana
Onde se esconde, entre-meios
O meu peito.


A conversar com meu
Olhar, vejo estes cintilantes
Passeio, entre seu sorriso
Festejo, com seu abraço
Toco as pontas dos dedos
Tecendo com nossas mãos
O dia de amanhã
A noite de segunda, a manhã de terça
E, de tardinha
Uso seus olhos que cintilam
Em minha memória, farol, guia,
Para guiar a minha volta
À casinha, ao lar
Que trago contigo
N'meus olhos, q'agora
Cintilam

Cintilamos

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sábado, 19 de outubro de 2019

Lar, Horizonte, Anamnese

O lar é aquilo que carregamos, não onde estamos. É a construção de um castelo sólido, numa vida que, para o tempo profundo, é vento e areia. Duma praia sem mar, em eclipse, velejamos e partamos, tendo a parca luz do outro como guia, o clamor à Caridade.
Não somos o melhor dos homens, muitas vezes é na solidão de piso frio, que fincamos as estacas de nossa barraca. Porém, mesmo lá não estou sozinho, pois alguém segura minha mão, no silêncio. Admitir o silêncio, por fim, é respeitar o som da vida, abrir à possibilidade de escutar alguma harmonia, mesmo polifônica, mesmo perdida na garganta de um marinheiro - naquela baía, de vento e areia.
O lar se carrega ora perdido, ora encontrado nos braços da Rosa, mas lá está, navegando, ao som do coração que bombeia, no tambor da vida, da possibilidade de estar presente. Da presença de estar conosco: fique.

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Formas e linhas, linhas e horizontes
Jamais busquei minha rosa
No peito que não o meu
Na paisagem que é tua
Encontrei as retas de lá
Pra cá
Catou-me no vento, catavento
Da alma, correndo por lá
Aprisionado em linhas?
Assovia o vento, entre as janelas
Do coração

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Aquele pequeno príncipe
Que começara a história de minha vida
Olharia no espelho de meus olhos e veria
O quê?

Quantos braços necessários para levantar o voo
De uma andorinha
De quantos abraços, aquece o meu peito
O sol do Verão
Lembrou-me dos Invernos, passa-se as rotações
As translações
As viagens
Permanece aquele avião, aquelas asas
De menino

Pequeno princípio
Que uma esperta raposa, caçada bailarinos
Me chama a cativar

Cativo aquilo que cultivo
Da cultura nasce alguma rosa
Com espinhos, mas n'alguma ponte entre cá e lá
A beleza reside nonde o véu se abre
E não é mais necessário ver
Pois, cativares
A verdade se mostra, estás aberto?

Olho ao espelho
Aberto aos olhos do lúdico toque do tempo
Passos num deserto de olhos e ventos
Rugas, lápis, abraços e cataventos
Arrumo meu avião, vou me embora
Dou adeus para voltar
Aqui mesmo, d'onde nunca sai
Das vistas daquele menino
Das vistas daquele menino
Que me perguntará sempre:
És tu?