sexta-feira, 18 de abril de 2014

Distribua o ódio por aí

 Aristides era um homem com uma dúzia de ovos na geladeira vermelha. Não aceitava bem o romance pela vida que os outros europeus, como ele, gostavam de ver em tudo, o dramalhão da vida moderna, seu tédio incontrolável e também como tudo tinha o sentido de ser extremamente tedioso e sem sentido não lhe interessavam. Aristides era um homem bom, apesar de não ir numa igreja.
 Então, durante um dia em que via desenho animado, teve a ideia de que poderia ganhar muito dinheiro se construísse algo realmente útil para a Humanidade que não fosse máquinas que curassem câncer ou uma nova ideologia para jovens se matarem. Aristides conseguiu, com o uso de alguns fios, placas de eletrônicos e um acordos com forças como a Sombra das Pérolas, fazer algo lindo e que poderia nos ajudar em vários momentos de nossas vidas: a máquina de ódio.
 Mostrou para Mariane, que ele pegava nas horas de café do escritório. Ela sempre odiou Júlia por ter um corpo melhor, Ricardo por ter lhe deixado e Felipe por ser um mau pai. Então, ela usou a máquina, abriu-a e, como disse o seu criador, pensou em todo o mal que sabia e queria e... Pronto! A máquina guardou todo o sentimento de Mariane e ela se sentiu leve, mais bonita e amada.
 Casou-se como Aristides em dezembro, mês das noivas. Eles eram felizes, ela nunca falava nada ao contrário do que ele queria e ele também podia fazer o que quisesse que ela nunca esquentava, "tudo esta bem, ele me ama".
 Ricardo era chefe de Aristides e sempre cobrava o fato das suas roupas desalinhadas com o tédio in office e seu horário atrasado nos eternos quinze minutos que nos separam da cama, o banho e o metrô lotado de gente. Aristides, porém, sabia que Ricardo era um homem ambicioso e desejava crescer, ele era detido pela política atual da empresa e da Economia (sempre em crise, não?). Numa das broncas, depois do almoço, Aristides perguntou para o chefe e seu bigode se ele gostaria de mudar sua vida, conseguindo tudo que quisesse quando não mais odiasse o que fazia. Ricardo, disse sim, claro.
 Ricardo, dizendo que ia ficar na hora-extra, encontrou com o homem e sua maleta cheia de engrenagens dentro, olhou lá pra dentro e, se sentiu mais leve. Dentro dos dois anos seguintes, Ricardo havia deixado a empresa em que trabalhavam, deixando seu cargo para Aristides. Montando sua própria empresa, o homem se tornou um dos mais meteóricos sucessos daquele ano. Se jogou do alto do seu prédio empresarial em dezembro, creio, sorrindo.
...
  Comprou, com o novo emprego, um terno cinza e novo, menores nas mangas e tal. Aristides estava feliz, porém, não tinha muito o que fazer nos meses de festas de fim de ano. Era sempre aquele caso de ir pra casa dos pais velhos e cheios de rancor... Dois dois lados. Então, resolveu animar um pouco a vida da família, depois do jantar, chamou os pais e os poucos irmãos e distribui a todos eles cartões com números, disse, tirando a sua pasta com a Máquina do Ódio de uma bolsa:
-Agora, vamos ver quem vai ser mais feliz!
 Tirou o pai, a mãe e depois a irmã. Todos iam num quartinho dos fundos, pensando em tudo que acontecera. Nunca as festas foram tão boas, Mariane estava grávida, seu pai se curou do câncer e largou sua mãe, que casou com o médico da filha, Felipe. A alegria estava instalada no outro fim de ano, de dezembro.
...
 Passara-se um ano sem que Aristides falasse mais da máquina, ele estava até que bem, com aquela criança chorona, a mulher silenciosa e o emprego dois cargos superior. Porém, um dia, precisaram sair e uma babá veio para a casa deles, acho que o nome dela era Lilica - belas pernas em botas e arquitetura: aconteceu na terceira visita.
 Ela se sentia horrível com tudo aquilo, estava gostando do velho Aristides ponta firme. Ele, porém, não queria largar a mulher tão cedo, filho pequeno e deveres morais. Então, ela disse que o odiaria para toda a vida, ao que ele respondeu:
 -Podemos mudar isto, sabia?
 -Como, Ary? Como? - Gritava
 -Assim... - Ele tirou do baú do quarto do casal a pasta, trancada com a senha 251.
 -O que é isto?
 -Algo para você esquecer, meu bem...
 -... Droga? Não posso hoje, tenho prova.
 -Não. Não sou disso, minha lindinha, olha aqui...
 Abriu a maleta e as engrenagens douradas e rubis começaram a tremer com o movimento:
-Olha e pensa em mim... Faz isto, por favor, e nós estaremos bem para sempre! Sua linda!
 Lilica olhou, com a cara inchada do choro e da noite. Disse:
 -Esta bem, entendi.
 Arrumou-se, foi embora e Aristides sorriu.
 Mariane chegaria no outro dia, velho Felipe morrera e tal. Ela chegou de preto, porém, se sentindo pesada, estava estranhamente olhando as coisas mais cinzas e 3D, tudo parecia, também, mais colorido, as coisas pareciam importar mais... Ela daria um beijo em seu filho e, bem, Ary estivesse lá, nele também.
 Subindo e entrando pelo apartamento, viu algo estranho, tudo parecia mais colorido... No quarto, um enorme escrito em vermelho sangue por toda a parede:
 -ARY, ME PERDOA, MAS PENSEI EM MIM E NÃO EM VOCÊ
 Aristides não estava mais ali, a pasta estava aberta e as engrenagens todas paradas, a criança dormia no outro quarto.



 
(Keaton)

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Sobre portas com tijolos

Algoro prometeu para si mesmo que nunca mais entraria numa fria como aquela de novo, não acabaria por se ferrar como se ferrara daquela vez. Entrou e saiu, e era isto, em um pequeno ponto do espaço da superfície terrestre, ao qual se ocupa a Geografia, se juntara com um ponto da abóboda celeste, ao qual os astrólogos rendem homenagens noturnas em seus telescópios.
Algoro tentara, em vão, abrir a porta daquele seu quarto imundo, dando de frente para uma parede, a janela, sempre com a mesma paisagem, congelada, também não lhe era permitida pular: era um fundo de papel, atrás, mais parede.
Sempre era fim de tarde, uma hora do dia que Algoro gostava, porém, que agora lhe rendia o ódio eterno, pois, nunca deixava de ter o quarto do apartamento aquela cor laranja sonolenta - não mais renovadora.
Tudo tremeu.
Então, o homem de terno riscado abriu a porta e por ela uma luz saiu, cobriu todo o seu corpo.
Lá estava ele, no Mundo novamente, uma linda moça de olhos verdes, de roupas antigas de arqueóloga o olhava:
-Minha nossa! -disse ela - Então, é verdade! Vocês existem mesmo!
 -Sim... - Respondeu Algoro, enfadado - "Quais são os teus desejos mais profundos, teus amores mais secretos e tuas vontades mais aberta?"
 -...
 -Diga logo, quero acabar logo com isto - Algoro não aguentava mais a luz do Mundo, ele vivia sempre na mesma tarde de 2014...
 -... Meu Alex, ele morreu para nós chegarmos aqui... Foram os caingangues e seu maldito pajé e...
 -Não me importa! O que quer com isto?
 -... TRAGA ELE DE VOLTA!
 -... - Algoro pegou algo que ele, com seus olhos doloridos, pensou ser um galho, suas unhas cortaram a madeira até deixá-la na forma de uma hominídeo. Disse: - Está feito! - E o boneco pegou fogo.
 Então, como um flash e sem dizer adeus, Algoro voltou para seu lugar, a sua tarde.
 ...
 Acho que não se passaram nem alguns dias, ou séculos, tudo tremeu novamente.
 -"Quais são os teus desejos mais profundos, teus amores mais secretos e tuas vontades mais aberta?"
 Havia ali um homem, ele estava vestido como um explorador, como aquela dos olhos verdes, só apenas de camisa... A última que vira. Ele olhou para ele com uma cara de fúria, em suas mãos, uma navalha ensanguentada, chorando, disse o homem:
 -... Eu tive de fazer isto... Sei que Aline nunca usou o seu poder corretamente... Mas, enfim... Ela era alguém que... - E lacrimejou - Eu amava... - E chorou.
 -Fale logo o que quer!
 O homem o olhou com uma cara de louco, pegou sua navalha e cortou o peito de Algoro. Não saiu sangue, mas, gás verde:
 -Não pode matar algo que não é deste mundo... - Sorriu Algoro, deu um safanão no homem, que desmaiou na hora.
 Ficou naquele lugar iluminado demais por cerca de uma ou duas horas, até o homem acordar. Nisto, como não conseguia andar muito pelo cômodo em que estava, apenas viu algumas coisas, como, a casa bagunçada, uma carta na mesa, a foto do homem com a moça de olhos verdes que vira antes... Tudo desinteressante para Algoro, queria sair dali...
 O homem, que Algoro colocara em um sofá, acordou, assustado por ainda estar vivo:
 -Você tem de pedir primeiro. - disse o homem de terno riscado para o desesperado.
 -... Eu, eu quero...
 -Diga
 -Eu quero nunca ter conhecido Aline... Quero ter ficado com Paula, ter virado um professor de escola, como queria nos meus quinze anos!!!
 -... -Algoro observou aquilo... Era algo grande. Mas, o fez: ficou de frente para o homem, meteu a mão em sua carne, arrancando-lhe o fígado, aonde estavam todos os sentimentos. O pedinte caiu aos seus pés, gritando de susto, não de dor.
 -Agora, se você não conheceu aquela moça, ela não deve morrer... - Algoro puxou um pequeno fio de cabelo seu e sobrou ao vento.
 -Esta feito - disse e voltou para seu mundo.
 ...
 Finalmente, passou-se vários séculos, talvez, pois, ninguém tinha mexido com Algoro ainda. Tudo calmo e quieto, ele pode contar pela enésima vez a quantidade de tábuas no teto, quantas baratas misteriosas moravam ali e ouvir o lamurio de suas próprias lembranças.
 Tudo tremeu, então, como sempre acaba acontecendo, Algoro tinha uma vida rotineira, como se vê.
 -"Quais são os teus desejos mais profundos, teus amores..."
  Um dedo feminino pintadinho de roxo nas unhas o interrompeu, por um instante, pode ver o rosto que fizera aquilo: a mulher que ele amava, com seus olhos de tão negros que são azuis e cabelo de caramelo...
 -Oi, Gogo!
 -... Você...
 -Sim, sou eu... Finalmente, finalmente te achei! - As lágrimas corriam o rosto da jovem, logo, ela abraçou-a e começou a ter algo estranho, algo, talvez, sentimentos? De novo? Esta coisa ruim que pesa no peito e no pé do olho esquerdo.
  -O que você... O que vai pedir? - Disse o homem de terno riscado.
 -... Te amo, meu Gogo... Mas, você naquela tarde pediu para libertar aquele homem... E, nunca mais voltou... Então, meu Gogo... Me perdoe...
 A moça chorou, então, saiu de uma quarto um homem com tipo... Tipo explorador; pegou no ombro da moça de olhos negros e disse:
 -Paula! O que você fez, Paula? Você mexeu com isto??
 -... Alex? - Perguntou o homem de terno riscado.
 -... Si.. Sim... Mas, o que vai fazer agora?
 Algoro apenas olhou para a cena.
 -Qual é o seu desejo... Paula?
 -... Que seja feliz... Apenas isto - a moça com lágrimas, deu um beijo na testa do gênio. Tudo sumiu num clarão.
 Algoro, acordou em seu quarto de apartamento, levantou-se, contando as baratas no chão e as tábuas no teto. Então, tudo tremeu novamente, porém, agora era de manhã.