quinta-feira, 27 de junho de 2019

Superar, Vício

Só se supera quando se entende ou se sabe o que viveu. A ciência advém de uma certa brutalidade consigo em uma guerra interna, mas também um acordo. Abraçar-se, você e a memória de seus atos e omissões, o nosso acesso ao passado, faz parte deste processo, severo, porém doce, de perdoar-se verdadeiramente e partir, assim, ao novo.

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Ter o vício parte também do desejo de possuir para si uma experiência completa, o início e fim de um ato, que você presencia e lhe traz prazer. É a busca de completar a sua incompleta existência, pelo consumo de coisas, que você organiza, seja em atos, técnicos e cheios de maneirismos - como fumar um cigarro, beber uma bebida, manter uma relação com alguém tóxico, etc. - e que lhe darão o poder de terminar aquilo. Me parece uma busca por ser não apenas o criador, mas o viciado busca destruir/consumir a coisa em ato, busca o controle, em si, do tempo - a morada da alma - mesmo que este seja apenas o "tempo das coisas".

Coração severo, Esqueceu a Liberdade

A severidade no coração
Alimenta de si
Complacente dos outros
Faz do manto celeste

Seus sonhos cadentes
Veste a armadura de um castelo esquecido
Entre ruínas de desejos e fúrias
Um lampejo ainda se faz
Uma mão ainda te firma
Cristo ensina a solidão e sacrifício
Necessários pra ver o outro
Roma caída de senados e plebes
Morrendo nas províncias, invade
Império dentro do coração do homem
Na língua escondida das estátuas
Os césares traficam, sua alma por prata
Eu estive, Estige,
Sobre os rios egípcios, nas areias dos livros
Me livrei da ignorância, frutificando dúvidas
Agora, em ruínas, os anos acumulam
As portas de um coliseu de gente
Acumularam-se nos ônibus e trens
E eu, na estrada rotineira
Impérios, césares e a mão que firma
Terá força pra lutar?

Escreva, veja, severo

Escreva, veja, severo

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O homem que esqueceu o que é liberdade
Permanece na sua prisão
Costumeira, em carne que vê o mundo
Apenas uma rosa, sem flor, cheia de espinhos
E viveu, como um cientista de outros tempos
Em um experimento, chamado vida
Um projeto de filósofo
Um pequeno escritor burguês
Um bom aluno, porém, nunca um professor
Um bom ouvinte, mas, nunca um conselho que preste


Aquele que esqueceu a liberdade
De não ser lido, de arriscar buscar a vitória
De sair pra fora de casa, pela janela
Pois, temia que não lhe dessem bom dia na porta
Viveu trinta anos preso dentro de si
Murmurando palavras, escrevendo versos
Preso, naquilo que chamava de lar
Por, não ter mais memória do que é impossível
Contentou-se, com o imaginável
-Não é possibilidade, se não há mais como tentar!
Me disse o cão-de-guarda, em algum banho de sol

A liberdade é um mal para a cabeça, você a tem
Quando começa a ver as correntes
Quando sente o que não sentiu
Quando dói, mas, ainda assim, você pode voar
Por mares de nuvens tempestuosas
Alguma fênix existirá? Ou será apenas imaginação
Daquele prisioneiro de si, escrevendo em carvão
Achado em algum canto de fogueira
Esquecida, esqueceu-se, de seu coração
Pulsante, preso no peito




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Incompletude daquele que perde-se
Nos montes
À vistas de achar os gigantes
Escondidos sob as capas dos livros
Deve calar-se e amiudar
O tempo sob as barbas de seus anos
Em regresso de força e vitalidade
E buscar guardar o que foi bom
Para transmitir que tentou de bem
Que buscou o bom combate
Que travou, contra os demônios de si
A caça nas sombras
Mesmo sem mão amiga, mesmo calado
O trecho no caminho que jamais cede
Mesmo sendo isolado


Sabedoria sê resposta, mesmo o que não ocorreu, por mais do que me acontecera!

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Segredo da Esfinge, Tarde feliz triste manhã, América Latina

E a honestidade consigo é a verdadeira honra


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Pitágoras me escreveu uma carta
Nela, alheio li, fora de meus
Pensamentos, pelo deserto
Por suas areias, o festim do tempo
Cada passo pesado dado
Voltou a ser leve e aquecida
Memória de um homem
E seu menino
Jogando pinball, num boteco
Numa vila, duma cidade temperada
Ao sul do mundo
Donde já não estou

Me diz a Esfinge, a resposta
(Secreta para Édipo):
-Jamais voltarei a ser menino
Jamais estarei a ser de todo homem
Logo, velho, morrerei nestes passos
Mas, pra sempre deixarei pegadas
A quem as queira contar nas areias

Fechei o livro, com a carta do matemático
Contei as horas: eram 2 da tarde
Não sei de qual domingo
Era o aniversário de meu pai
Já não era mais aqui
Mas, lá que estava
Lá no meu coração
Aonde vaga o deserto que não o alcança?
Pois, solto é o infinito
Dos passos que jamais serão mapeados
Na areia
Do tempo
Da língua da Esfinge
Do vento, no peito
Que vira as páginas do meu livro.

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Dois montes de concreto
Abriram o céu azul
Azul das tristezas melancólicas
Latiam os carros, gritavam guardas e vagabundos
Meu peito estava silencioso
Aos olhos dela
A garota que olhava para o céu
Pintava as estrelas seus pontinhos
Sardinhas no rosto do universo
Recheios das nuvens de algodão
Que sopradas pelo tingir
De brancos ossos
Levaram a preocupação do marinheiro
De oceano profundo, mas que secou
Olhava a garota nele e ele nela
Algum ponto cardeal secreto
Escondido, incerto
Na vida presa nos novelos
De um céu azul
Vazio de nuvens, estrelas
Porém, como o mar, posso navegar?

Te amo, naquele dia.
A chave caiu, a porta escancarou
O José não pergunta do agora, mas de ontem
E meus olhos de Capitu, ressacam
O mar seco do marinheiro
A muse olhar ao céu
Pesca a chave, dos Argonautas
Abre o tesouro e firma
Como o bem que pode ter

O abraço do instante, do Eterno Presente
Que não nos prende, nos dignifica
Envio a você, moça que olha o céu
Azul como a tristeza, terminada
Em toda a aventura que poderás ter
O abraço e beijo infinito
No instante, sem mito, poesia ou enseada
Pois, navegar é preciso, e navegando
Sem parar

Olha o céu, pequena, olha
Que brilha todo o teu ser
Obrigado
Pelo porto seguro
No céu do oceano azul, de mim e nós.

Segunda, 10 de junho.


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A gente morre sozinho, ao sol e ao escuro
Aproveite
Abra-se
Pois, fechei-me em casa
Joguei a chave
Esqueci-me


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César, vencido entre as pedras
Foi acorrentado nas caravelas
Foi tomar noutro lado do mar
As terras da Cidade do Sol
Ao Norte, nasceu as 13 Colônias
Ao Sul, um Império Espanhol fragmentário
Em centrípeta força
Vai de reto ao sul ainda
O Gigante de língua portuguesa dorme
Sonhando em acordar
Mestiço, centrífugo e munido de cetro férreo
Um povo que já não crê no esforço de anos
Mas, quer tesouros em dias
Pirataria nacional
Corsários, de favela ao asfalto
Do café até a soja
Planta, mas apenas colhe
Agricultura sem semeadura
Que livros se queimem
Para fazer o carvão em dias frios


César, bêbado de vinho
Não reza mais para cruz
Pois, os meios findaram em fins
E vidas terminam no eu
Eu revolto em si
Oceano tempestuoso
Engole as caravelas
Morre o náufrago que de livros sem páginas
Tem fome.


quinta-feira, 6 de junho de 2019

Lápide ao Sol, 27 anos

Me enterrem com o rosto
Virado ao sol
Que banhado sobre aquelas tardes
Refletiu a vida

Das estrelas que jamais morreram
Mesmo tendo sido, há tempos
Desaparecidas no espaço frio e negro
Aonde busca os homens?
Sua própria divindade
Nesta mortalidade?
Nesta múltipla estrada, de uns poucos caminhos
Mas, que será sempre feita
Das tuas pegadas
Dos teus passos, alguns dos mais dolorosos
Serão os jamais dados


Me deitem finalmente
No alto daquela montanha
Ao qual estive preso na minha filosofia
De voar por aí, nas palavras ao vento
Escutadas de seus espíritos
Num peito vazio, de mil ventos
Mil montanhas a correr atento
O lar que carrego comigo

Me deixem naquela tarde
Onde o sol aquece o rosto
Já calvo e antigo em 27 anos
Mas, eterno
Na transcendência da comunhão
Dos laços e do amor
Que tentou escutar
Mesmo pequeno
Mesmo fraco
Este homem que agora é d'outrora
Agora jaz em uma caveira, que mesmo ela
Jaz ao sol
Mesmo a lembrança dos amigos e amores que se vão
Que te esquecem
Permanecerão

Pois, no além navegam apenas os fortes
Que deste mundo sabem não se contentar
E, banhado ao sol
Daquela tarde nos mares de montanhas
Aceitam que a estrada só termina
Quando o sol deixa de brilhar

Me enterrem, sem epitáfio que não seja
"Banhado ao sol"


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Hoje, conto mais um ano em minha linha

De passos frente ao abismo
Na borda desta
corrente de desespero
Equilibrista do nada interior
Com alguma coisa pro Outro
A estrela brilha e alumina, dizem
O espaço de matéria negra dentro
de si
A Terra gira, ela nunca para,
esperança de um porvir
Numa pólvora acesa de fúria,
Numa cama deitado em pavor
Nada reflete-me no espelho
Que não o vento
Frio, neste primeiro dia de sol
Numa semana insólita de chuvas
Busco a pessoa que fui numa imagem
Na frase amiga de verdadeiras companhias
Mesmo instantâneas, como a vida o é.

Somos instantes, preenchidos de infinito
E não queiramos percorrer à beira
Sem antes ver o mar do mundo
Navegar é preciso
Resistir-se, mais um dia, também
Mesmo niilista de mim, meu mundo é platônico
Mesmo emotivo, sou gélido como aço
Mesmo místico, severo comigo
A tensão, tensionar-se sem morrer
Sem matar-se
Pois, você está aberto
Se fechado, abra-se, abrace
Aquele amigo, aquela mãe, aquela amante
Ou ninguém, como eu sempre estarei
Navegando nos oceanos profundos
Aguardando e vendo o mundo
Mostrar, pandórico
O infinito a quem busca humilde
Não ser nada mais que superar-se
E ver a unidade
A consciência
A minha presença
Te abraçando agora, se sofres leitor
Compartilho contigo as lágrimas
E com elas, façamos mar de Camões
Pois, o desterro é a ordem
Dos que tem o lar no coração.


Aquieto-me nas palavras
O poema está se fechando
Completo 27 anos de Fernando Pessoa ou Augusto dos Anjos
Completo, estou vazio
O vento gélido curitibano trespassa
Cristo, em minha praça
Deus, à Ágora, calou-se
Pois, o seu reino não é deste mundo
E agradeço a Ele, nesta oração poemada

A caneta descansa, pois no peito
Um poema se lê.