quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Nos mares de Kumasi #Panda Vermelho

MUSIQUETA DA POSTAGEM



Enquanto olhava as ondas cintilantes do mar prateado pela poluição, meu amigo surgiu.

 -Há muita luz aqui... Não?
 -Realmente, nunca tinha visto isto... Como aconteceu toda, a luz?
 -Não sei, não me importo... Não sou como você, velho Vermelho, não ligo pra história e o Por Quê das coisas, acho mais interessante aonde elas estão... Sabe disto, meu Império não surgiria se não fosse por isto
 Vi com uma face de certo espanto, mas, tenho que me acostumar. Derrubando todo um reino, e depois vários, criando máquinas de pedra e pó, canais que davam ao deserto alguma plantação, um verde absurdo para a normal visão, meu amigo Coelho Caolho se tornara o Maior líder deste mundo; um Império sem nome, apenas uma marca semelhante com um risco branco de cima para baixo - uma marca que me lembrava assustadoramente de outro imperador, um ser que eu derrotei há séculos... Em outro mundo... Um Panda como eu, só que nunca teve uma vida –animal ou de pessoa- a não ser seu Ideal, seu Objetivo. Esta porção de terras e cabeças eram lideradas por um igual a mim, nós, que tínhamos por sorte recebido nossos poderes, estávamos perdidos, caçando cada um seu aprimoramento, sua Vontade; vestidos com nossos mantos que davam ao mesmo tempo o Poder e esta Busca.
 -E os Democráticos? Como está lidando com eles? -Perguntei à ele, não via sua face pelo sol que queimava minha face, da minha forma real, mesmo que o real varie conforme à íris que é queimada, principalmente neste mundo que nem é o nosso... Eu era um panda vermelho e ele um homem de trinta anos e caolho, estas eram nossas formas, este era o nosso real.
 -Ora, sabe que meus canhões de monólitos estão dando conta disto... Aqui, sou um Príncipe, um deus pra eles... Mesmo que os greco-românicos não aceitem ainda, com suas ideias de Voto à todos os seus cidadãos, logo, cairão -O Coelho moveu sua mão, conforme mexia-se em um movimento semelhante ao reger de uma orquestra começou, lentamente e aumentando a velocidade, a brotar uma série de pontas de rocha, roxa, aumentavam as ondas e mais luz batia em meu rosto... Cerrando os olhos, percebia como aquela porção de terra que foi inundada na guerra deste mundo se assemelhava a meu amigo, denso, escondendo muito, explicando apenas o necessário... Ele é muito direto, porém, sendo isto ele guarda mais consigo que alguns que contavam muitas histórias, como se estes, se lhes fosse entregues um teclado e um papel, voltasse apenas com um parágrafo ou um poema, mas, claro, nunca generalizo nada, sobre minha contemplação da terra, disse:
 -Você sabe que sou direto, vamos parar de falar de mim... Temos que completar seu treinamento aqui...
 -Okay...
 As pontas se levantaram até que se mostrassem como entrelaçadas, uma sequência de pontes de pedra rocha entrelaçada, com algas e uma placa de metal enorme, as letras eram um antigo dialeto Ashanti, lá dizia...... Algo como ironia: "Messias", achei interessante, mas deixei de lado, pois sabia que o Caolho não explicaria nada. Entrando na enorme estrutura de pedra, em cada passo, ia me transformando, a pele de pelo ia virando armadura de aço, o tronco ia crescendo e ficando reto, uma capa vermelha saiu desta pesada couraça que crescia, retirei de um bolso no tecido meu elmo, mas antes de colocá-lo, deste capacete de metal tirei - como uma cartola - uma espada; estava pronto, pesado, mas pronto.
 De repente, uma sombra pula pelas pontes de pedra, ela pula e eu não a vejo, suo. O salto me golpeia e eu quase caio, mantenho-me em pé... Não posso me mover muito, tenho que me mover precisamente. Ele vem de novo
            Um golpe, meu elmo cai
            Outro, a capa é destruída... Porém, a minha
            Num último voo, viro a espada em um golpe horizontal, o último...
            Talvez não houve tempo, talvez seja o final
 ...Um flash do sol batendo no meu corpo que cai, eu vejo uma menina jovem, bela de olhos azuis, quase como os mares daqui de Kumasi, os de antes... Seu cabelo é ruivo, ondulado com uma grande franja, reta, mal comportada por ser diferente do resto... O barulho da pesada couraça cai no chão e lembro das danças da tribo dela, do Norte, sua pele branca dá contraste à pele de urso-texugo que eles usam... Foi numa andança que fiz para além dos Gregos-românticos... Agora que sou humano, posso sentir isto, gostava dela...
                 Mas, não era hora. O combate chamava, minha última prova neste mundo
 Levantei com um único movimento que também foi golpe dado na sombra que me atacava, ela chocou em poeira numa rocha. Vi meu amigo com duas enormes facas de obsidiana ao invés de mãos.
 -Você resistiu a isto, amigo velho... -Sorriu e abriu sua capa, moveu de novo para o mesmo lugar e, do misterioso gesto, surge um espelho grande, ao qual ele trás minha Alicia, Alicia das Brumas... Atravessa como água aquele reflexo que pra mim é muito real...
 Seu chapéu é do urso-texugo, seu cabelo escorre pela face, o sol bate em sua pele e reflete mais que no espelho... É estranho o brilho vermelho que seu pescoço tem, é feio aos meus olhos, eu não sei... Não vejo a feiura daquele ato há muito tempo, vejo seus olhos, vejo eles ficarem vermelhos... A boca roxa, como a rocha que cobre todo o lugar, seus lábios parecem que beijaram este chão...
              É lindo, realmente... É mórbido... Ele cresce, ele me fez crescer algo que experimentei poucas vezes...
 Houve um movimento dele, outro e mais um
 Meus pés armados começaram a pisar na poça de líquido vermelho pastoso
 A espada corre seca, lâmina vesga de fúria corta o ar com minha paixonite, já não há mais nada... Ela beija o solo e por tudo sujo meus pés com algo quente, vermelho como era o seu cabelo ao sol
 Meu amigo se move para trás, só há o espelho, ele começa a atravessá-lo, sinto o fogo queimar minhas mãos, meus olhos parecem que lançam raios mesmo apenas estando cheios de lágrimas; ele não irá fugir, lanço a espada, como uma bala ela parte o espelho, há poucos centímetros, o Coelho Caolho tem olhos fixos em mim, esbugalhados... Ele está preso na roxa rocha, como se eu tivesse lhe partido a fuga, como realmente o fiz. Porém, mais quero partir, a sensação de ardor se acalma no peito, me pesa as mãos, me pesa as costas – você sente como se o mundo estivesse sobre seus ombros, no entanto, o mundo inteiro não liga pra o que carrega, pra você.
 Agarro o pescoço de Meu Amigo e retiro a espada da rocha, não há mais suor, apenas uma gota corre por minha testa, uma testa humana.
                 A arma laminada parte a ponta de rocha em que ele está, corta ao meio...
                -Acabou!
               ...Em silêncio, sinto de novo o calor deste sol... A maresia faz com que a armadura se comporte de jeito estranho, parece até que enferruja mais rápido... Ela engasga... Eu engasgo... Meu joelho cai no chão, pareço com falta de ar...
 -Acabou!
 -Eu já ouvi!! –Respondo, ainda não acreditando... Começo a me levantar, estou tremendo e a espada mais ainda
 Olho para aonde está o corpo de meu amigo... A fumaça vai saindo dos poros, até que ele inteiro evapora em uma nuvem negra... A nuvem vai subindo pro céu...
 Olho pra cima, vejo meu amigo se tornar uma tempestade. Da tempestade de nuvens negras, cai a água que lava tudo, vai pouco a pouco, com suas gotas me lavando, me recuperando um pouco...
 Para trás, mais uma vez olho, mesmo com a dificuldade de uma couraça rapidamente afetada, vejo meu amigo, na forma de um Coelho Caolho, com seu tapa-olho, sentado numa pedra...
 -Então, acabou? Só isto?... –Meu sorriso irônico é falso pra o que sinto, que agora sinto...
 -Você tinha que aprender isto, sabe muito bem...
 -...... –Olhei pra a Alicia... Parecia que o engasgo voltava...
 -Escute, a morte é o fim, porém, posso trazê-la de volta, sabe muito bem disto, ainda o corpo esta fresco...
 Com pequenos saltos ele chegou perto dela, tocou no pescoço e cauterizou o ferimento... Ele me olhou depois disto e disse:
 -Seu treinamento ainda tem mais duas lições...
 -Quais? –Lhe pergunto
 -Traga a vida dela de volta, você é o mais poderoso... Ou melhor, será... Quando jogamos os dados para decidir entre nós 7, não concordei com isto, mas, agora, sei que pode...
 A água já empoçava o sangue, eu movia-me com dificuldade... Tirei a couraça, cobri seu rosto com a capa... E, por uma questão estranha, senti algo, carinho, esperança, eu era ela e sorri... Eu nunca sorrira por aquilo...
            Beijei sua testa, seu nariz e sua boca,
           Com o manto na face
           Suas funções cardíacas foram acordadas com um choque, cauterizando cada parte danificada pela falta de oxigenação, talvez apenas perdesse os movimentos de um braço, ou da fala... Tudo muito fácil... Tudo parecia tão fácil...
 -Mas, não é, não é mesmo, meu amigo?
 -Sim, não é Coelho... Tratará ela bem?
 -Claro, você não só conseguiu aprender Vingança, algumas coisas a mais como isto do Carinho e Despedida só se aprende com Paixão...
 -Despedir? –Sorri para ele... Estava pensando nisto, enquanto a chuva acabava...
 “-Pelo Desfiladeiro do Crepúsculo, quando chegar lá, haverá uma grande nave, pegue-a e puxe a alavanca de pedra única que existe no cais, será levado pro outro mundo”, falou meu amigo. Estava em frente pra estranha forma de rocha em forma de ponta que mirava para o céu, com enormes velas de metal... Entrei e fui subindo, como uma aranha até a alavanca...
                  Antes de puxar, lebrei do nome dela... Por dentro de minhas brumas ela ainda ficaria, talvez sim ou não. Fora bom ter sentido aquilo... E segui com as instruções...
                  Puxada a alavanca, tudo é luz, sigo na direção da luz de Kumasi, por uma janela lateral, sua mar me beija, com seus olhos, em seus fechar, me despeço.

Nenhum comentário:

Postar um comentário