segunda-feira, 11 de junho de 2012

A intrépida aventura do Soldado Itamar & Johan #Agentes do Caos

MUSIQUETA DA POSTAGEM


 Enquanto ele arrumava o quepe em sua cabeça, as ideias pulavam dos olhos, faziam tremer a língua.. Não era mais o mesmo que antes... Não era só o sangue que cobria o corpo do soldado - fazendo com que ele tivesse que perder mais tempo ao limpá-lo depois -, não era só a Guerra Contra os Inimigos da Nação que o incomodava... Era outra coisa, outras coisas de dentro de sua pele que não tomava banho já fazia dias e que o deixava com um cheiro de coisa velha...
 -Itamar! Venha aqui, vamos limpar isto tudo! - Chamou o Chefe, com seu bigode loiro e roupa negra.
 E lá ia o sargente Itamar, segurava uma perna, jogava na vala, outra pelo braço, mais uma queda na vala,
 Pof!
 Faziam eles quando caiam na terra, era estranho... Era o mesmo barulho que faziam os corpos dos soldados que também eram jogados na mesma vala, um lugar sem nome, sem lápide, apenas aqueles cinco soldados iriam lembrar daquele lugar, entre eles, Itamar, e claro, o Chefe.
 -Chefe, - comentou o sargento ao jogar um jovem corpo - por que estamos a jogar isto nos buracos?
 -Como assim, Itamar? Temos de enterra-los... São humanos...
 -Oras, meu Chefe, por que não eram humanos quando nós metralhamos? - E Itamar jogava mais um corpo
 -Meu caro, isto é diferente... Enquanto estavam vivos, eram nosso INIMIGOS, logo, não eram humanos...
 -Mas, então, agora, que estão mortos, eles o são?
 -Sim, pois os inimigos mortos são humanos...
 -Mas, se estão mortos, por que não deixamos eles aqui? Estou me sentindo meio mal... Não sei, estou suando demais... - Falava o soldado, que com as camisas já ensopadas, em nada parecia com os outros membros do Exército da Liberdade, que estavam bem, por ser um dia frio e por nenhum dos mortos terem reagido, o que traria algum cansaço
 -Ora, Itamar - pôs a mão no ombro do soldado o seu superior - não podemos deixar os corpos a vista pois, apesar do Inimigo ter se tornado humano quando o matamos, ele ainda é nosso inimigo, seus corpos são a prova de que existiram, o que não podemos deixar que seja mostrado depois...
 Por um momento, Itamar parou, virou-se e olhou para o comandante, disse:
 -Então, nós os enterramos para que nunca mais nos ataquem?
 -Sim
 -Então, nós os matamos duas vezes?
 -... Sim, exatamente, Itamar, nós matamos estes civis inimigos de nossa Nação e também suas Memórias, seus Histórias, suas Lembranças... É assim, meu caro, apenas assim, que Vencemos e que a  Humanidade Caminha pra adiante...
 -... Sobre os corpos dos outros?
 -Não, sobre os nossos corpos, que um dia viram poeira... E esta poeira voa, pelo ar...
 -... -Itamar ficou quieto, engoliu seco. Virou-se para trás, ao ouvir o colega falar:
 -Itamar! Tem mais dois aqui!
 Já contavam mais de 20 corpos jogados na vala. O soldado estava cansado, pegou nos pés daquele corpo, achou engraçado, ou melhor, curioso, tinha botas muito bem lustradas, deveria ser um soldado muito asseado... Pena que sua face estava queimada, e o sargento não ligou em ficar olhando os mortos, mesmo os do seu exército... No entanto, ao ver a face daquele jovem, ele lembrou-se de perguntar ao superior, que estava sendo numa pedra, comendo uma manga:
 -Mas, senhor, por que enterramos nosso homens junto com o Inimigo?
 O comandante sorriu e disse:
 -Oras, pequeno Itamar, porque nós morremos com eles, em uma guerra, sempre morre uma parte de nós...
 O jovem soldado não entendeu, porém, começou a fitar o velho bigodudo, ele sorria, sorria de um jeito estranho e assustador... Seus olhos, estavam dilatados, muito para algo comum...  Ouvia seu colega reclamar e reclamar... Mas, ele não ligava, o soldado não ligava e., pensativo, olhou novamente para o corpo com cara queimada...
           Ele tinha um belo colar no pescoço, de Santa Rosa dos Marinheiros Perdidos, um colar tão belo que o fez lembrar daquele... Daquele...  Que ganhara de sua mãe...
  Tocou o seu pescoço o soldado... Não havia colar ali... Não havia colar ali!
 Virou-se, ao ouvir uma gargalhada que dizia:
 -Oras, pequeno Itamar, porque nós morremos com eles, em uma guerra, sempre morre uma parte de nós...
 -O quê... -Disse o jovem, que via apenas o comandante rir e rir, falando:
 -Oras, pequeno Itamar, porque nós morremos com eles, em uma guerra, sempre morre uma parte de nós...
 -O que há aqui?!!! - Largou o corpo o jovem, ele fitou bem a face do morto, ninguém mais se mexia, todos os outros estavam paralisados, pareciam todos mortos; a face agora se revelava para o jovem Itamar como sendo a dele, ao qual, no desespero, ele ouviu algo do comandante:
 -... Sempre morre uma parte nós... Ou até, nós mesmo!
 Itamar olhou para o comandante, ele o retribuiu.
 Seus olhos estavam azuis, seu bigode caiu da cara, como se postiço, estava inchado...
 Um desequilíbrio, o jovem caiu na vala
 Os corpos pareciam agarrar-lhe... Itamar gritava, gritava...
 ...
 Então, o silêncio.
 ...
 "Abri os olhos, e lá estava eu: Itamar, morto"
 O jovem sai da vala, com dificuldade. A sua volta, ninguém o percebe e todos continuam a levar os corpos e jogar no buraco. Seu uniforme sujo e úmido, todo aquele frio, toda aquela cena... Tudo parece que sumiu de atormenta-lo... Ele olha para frente, na pedra aonde deveria estar seu comandante, seu exemplo de vida, ou em vida: nada vê dele, apenas uma criatura, um ser grande,
 um cão, creio que siberiano, negro ou muito azul, apenas abaixo do pescoço é branco
 as roupas são de soldado, porém, com um manto negro
 ele o olha com cara silenciosa, o soldado tenta ter pânico, mas, não consegue
 não consegue sentir nada...
 -E nem vai sentir nada mesmo... -Diz a criatura - Está vendo aquele pequeno toca-discos?
 Ao lado esquerdo do cão gigante, um gramofone, ou algo assim...
 -Sim, estou...
 -Ele está segurando tudo que você sente, não adianta ficar muito alarmado ou algo assim... Ainda deve ter umas seis horas de gravação...
 -... - Itamar fito tudo aquilo, é tudo tão estranho, pois seu corpo esta pesado, ele está um paquiderme de peso, mas, não consegue dizer muito... Não consegue sentir nada... Nunca havia percebido como sentir algo era importante, nunca mesmo... Pensou ser apenas importante estar no controle de suas emoções por toda a vida e, agora, morto, vê que nunca talvez tenha sentido nada...
 -Quem... Quem é você?
 -Eu? - Disse o cão siberiano - Me chamo Saibret, Johan Saibret e tenha um bom dia...
 -... O que...
 -Sou um Rei da Morte, ou melhor, um Ceifeiro, algo do gênero... Sabe?
 -Um anjo? Você é um Anjo do Senhor? Estou morrendo ou no Purgatório?
 -Hm... -Pôs a mão no queixo, o cão de nome Saibret - Faz tempo que não converso durante o meu serviço, então, não sei a quantas anda a Humanidade... Não sei do que você está falando... Desculpe!
 -Como assim?! -Disse o jovem, que não conseguia aumentar a voz - Como você não conhece o Nosso Senhor? Como nunca leu as Escrituras Sagradas do Livro Vermelho? Como não há aquela Luz no Fim do Túnel que..
 -Desculpe, meu amigo... - Interrompeu o ser - Você por acaso conhece o homem-macaco Goku? Conhece Sefiratis? O Senhor Reiza-Fu? Calixto? Imperatriz Andrômeda? Comodoro Oasis?
 -... Hm? Não... Mas...
 -Então, façamos assim, cada um tem os seus amigos e não precisamos misturar, ok? Um dia marcamos algo... -Levantou-se o cão, tirou de trás da pedra uma bolsa de couro, abriu e ficou mexendo nela - Mas, agora, tenho algo que fazer com você...
 -O quê... O quê... Espera!
 -Sim? -Virou-se novamente Johan e olhou Itamar, que lhe perguntou:
 -O que diabos quer comigo? O que está havendo aqui? Eu não consigo nem chorar, nem espernear... Simplesmente, não consigo...
 -Viver? Sim, não consegue fazer nada disto pois está morto, ou melhor... - O cão tira da bolsa de couro um pedaço de metal que na ponta tem uma enorme lâmina de gelo - Você está quase morto...
 -Como? Por isto eu carregava meu corpo? Aquelas perguntas, aquilo tudo que mostraram os primeiros parágrafos desta história...
 -Bem, veja bem... Tudo isto, aquele velho senhor e seus questionamentos, tudo isto era você, Você tinha as Dúvidas, morreu com elas, precisava solucioná-las... O que fiz foi respondê-las, pelo que eu via em seus olhos... Nada pessoal... - Riu o ser, ao qual o jovem disse:
 -Mas, se eu estou quase morto, por que, por que você está aqui? É do Inimigo?
 -Não, não pensa pequeno... Eu sou um Ceifeiro, me alimento de gente como você... Desculpe as palavras, mas, você está morto, basicamente... O que fiz é capturar seus últimos momentos vivo, seus últimos momentos em que seu cérebro ainda esta conservado e não apodreceu... E, bom, se você está vendo esta lâmina de gelo aqui, é a que usarei pra terminar de te matar...
 -O quê? Agora?! Mas, como assim?!!
 -Olha, não é agora... Não teria sentido, não é? - Sorriu o cão - Eu, antes de te matar, preciso fazer uma coisa, preciso me alimentar... E faço isto da seguinte forma: quero que você diga um desejo.
 -O quê? Como assim?! Você é um tipo de gênio?
 -Não, não sou... Sou algo entre um gênio e o que vocês humanos chamam de esperança, ou arrependimento... O que faço é realizar esta última coisa, em troca, fico um pouco mais vivo...
 -... Apenas isto? Tudo isto pra apenas um último desejo?
 -Sim, apenas isto.
 -E se eu não quiser? Se eu desejar ficar vivo?
 -Olha, se você quiser voltar a ficar vivo vai voltar no seu corpo morto, totalmente ferrado... Não adiante pedir pra que eu te dê um corpo novo, pois isto é uma trabalheira e este tipo de coisa não é tão fácil de conseguir... E, claro, se você não quiser, basicamente eu não te mato, deixo este disco aqui do meu lado tocar eternamente... Até que alguém me mate ou o quebre, você vai ficar neste estado de nunca sentir nada, mas, desejar tudo, até sentir... Vai ser um quase humano, um quase fantasma, um quase morto... Vai ser um ser tão incompleto que, basicamente, apenas será uma música que sempre se  repete na existência...
 -...  -Itamar olhava para baixo... - Posso ter qualquer coisa? De tudo?
 -Sim, de tudo... Menos ficar vivo.
 O jovem Itamar olhava para baixo, olhava para tudo e todos, olhava para mim e para você... O que pedir, o que fazer...
 E, então, ele olha para a tela, olha para este escritor que está a descrever esta história que ele mesmo viveu... E diz:
 -O que eu faço?
 -... Não sei. -Respondi - Tudo que você pedir talvez o leitor desta história não ache digno... Ele está cansado, de todo o sangue que ela traz... Os sustos, a ficção, etc.
 -Ora, eu não ligo pra nenhum leitor! O que eu, Itamar, posso fazer?
 -... Apenas você, personagem, pode decidir... Como qualquer um de nós, meros mortais...
 -... Então, é isto?
 -Sim, é isto.
 ...
 -Saibret, eu já sei o que eu quero...
 -Diga, Itamar...
 -Quero poder ter escrito minha própria história, quero poder ter feito isto... Eu quero ser o escritor...
 Johan Saibret, o Ceifeiro - um dos últimos de sua espécie - sorriu com os dentes pontudos e disse:
 -Itamar, mesmo eu sendo um Ser Velho e já tendo sido um Agente do Caos, nunca vi algo tão difícil de realizar como escrever a própria história, de novo...
 -Então, deixe que se faça a Aventura... Deixe que a segunda chance venha...
 -Bom, se é de uma chance nova, talvez isto eu possa fazer... - E Saibret golpeou com a massa o corpo do jovem soldado...
 ...
 E agora, em um som constante de umidade nos meus ouvidos, eu escrevo esta história... De como eu tive a chance de escrever o que poucos puderam... De ver o que deixaram, de falar o que queriam... Afinal, de ser livre...
 E, assim, nesta carta, conto sobre a minha morte, sobre a minha aventura, sobre eu mesmo... Só que sobre o meu fim... E apenas, isto, cinco páginas me resumem, como resumem a todos nós.
 Itamar se despede com um: "-Até logo"

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