quinta-feira, 28 de julho de 2011

O Bom Selvagem do Mar #Agentes do Caos

 Hoje em dia eu agradeço à Deus por tudo que recebi
 Estava em meu quarto, em 30 de março de 1931,
 Na costa, ouvi os aviões vindo, vindo e indo, como
 baratas
 Eis que meu velho tio, Rajamundo, manda que eu me esconda embaixo de cobertas, no quarto em que dividíamos com duas pequenas camas, disse -e jamais esqueço-: "-Fique aí! Em suas cobertas, se ficar aí, apenas parado e respirando, nada há de lhe acontecer, nunca!"
 Ouvi bombas e explosões, o sons de violinos estava por todo o lugar, era o som dos mortais ovos de pássaros de metal caindo por terra e trucidando o povo que apenas acreditou nas ideias de um homem, um Santo Homem; ele nos matou, ou nós matamos por ele. O calor das armas em volta de mim me fez desmaiar
 ...
 As ondas batem, acordo
 Na fantasia, nunca li algo igual: Vejo um pedaço de meu quarto, preso pelas três vigas horizontais e um pedaço da parede, o próprio canto de um dos quartos do 2º andar, estou nele, com um armário e minha cama, uma parte da janela que dava para o vão do prédio também sobrou... Estou boiando no mar, como um barco...
 ...Levanto minha cabeça e ouço vozes, chiados, vejo ao fundo a terra firme e pareço levado pela água, teria uma corrente me levado? E as terríveis criaturas deste desolado mar?! O QUE HÁ AQUI?
 Ao ficar de pé em minha cama, olhando para a massa d'água, lembro dos monstros, das criaturas malignas que o oceano possui; por deslize, me abaixo quase sem tempo, vejo uma serpente-de-couraça-amarela pular e quase comer minha cabeça, meu susto inicial, hoje eu nem lembro...
 Sei que, fiquei ali, deitado e embaixo das cobertas, talvez fosse um sonho e eu já estivesse morto, isto, seria bom. Por três dias fiquei ali, em pavor
 ...
 Era um dia de sol, ele queimava a minha face e olhava para frente, peguei uma vareta, outra, outra e, mais uma, retirando das madeiras que restavam, não mexera no guarda-roupa, mas, peguei umas faixas de lá, as que meu tio, em seus tempos de jovem, amarrava na cabeça e saía para "lutar". Amarrando e perigando morrer, fiquei várias vezes de pé, logo, martins-mecânicos e cobras encouraçadas, até uma tartaruga-furiosa, todos pularam em cima de mim, medi-lhes o pulo, coloquei as fitinhas, era feliz... Dominara a Selva!... Ao menos, não precisava me preocupar em ser decapitado
 Fez cinco dias quando, esgotado e quase morrendo, descobri como comer, não tinha ainda colocado minhas cordinhas... Mas, pus a mão, no desespero, na água azul escuro... Senti as mordidas, era meu fim, na segunda tentativa de beber tal líquido, puxei e me veio algo como minhocas, moles e pretas, algumas marrons; assim me sustentei por todo o meu tempo no "meu navio", comendo sanguessugas do mar - que ficavam até que boas com sal, pena que era difícil arranjar isto ali, no mar
 Em um mês que pelas minhas contas deveria ser abril, avistei algo que parecia ser uma xícara no meio da água; com meu remo feito do armário, segui até ele e vi uma preciosidade: um corpo jovem envolto em restos de panos, era uma mulher... Seu nome era acho que, Roupe, Felicia Roupe... Estava viva... Meu corpo cansado se alegrou!!
 Susto, ela tem medo e fome, por dois dias eu cuidei dela e ela calada, tentou levantar e ficar em pé, eu a segurei, empurrando para baixo, ela lutou, machuquei ela, mas ela parou ao ver o gigantesco martim-mecânico, com sua couraça azul celeste escura, quase ela me perde a cabeça! Como poderei usar o porquinho assim?!
 Precisamos de mais de um mês, me contou sua insólita vidinha, eu a ouvi... O meu navio havia me tornado uma rocha, uma fria rocha de granito frio... Ouvi sem chorar como seu navio fora afundado pelas obus enormes do exército Azul, ela falava em língua franca, era difícil entendê-la, mesmo porque estudei pouco esta língua... Nem a mulher, nem eu, sabíamos falar... Mas, o mês passou, eu consegui, foi numa tarde de junho
 Empurrei-a para junto da cama, perto da cabeceira, fora ali mesmo, cheia de não me toques, porém, precisando de mim... Consegui meu objetivo, humano e selvagem
 Vivíamos bem, comendo os vermes marinhos e não falando muito, não precisávamos... Era engenheira e disse que poderíamos tentar uma máquina à vapor, sair dali... Ora veja, ela queria dominar o meu navio!!
 Também senti que a comida ia faltar... O frio começava a chegar no sul, as chuvas pararam, estava nervoso, foi aí que a barriga foi começar a crescer; era o fim, eu tinha entre ver os peixes-leopardo e as vontades da fêmeas... Passávamos os dias embaixo da cama, onde fiz nosso ninho
 Foi num dia de reclamações, em um frio dia de julho; no começo, olhei a barriga como uma pança, ela queria ir, queria pular e ver o que acontecia, falei que como capitão eu poderia dar um jeito, eu poderia!
 Em fúria terrível, ela me fuzila com o olhar e me empurra, eu disse que como capitão eu daria um jeito... O fio vermelho cobriu o barco, tentei limpar com os lençóis o cortezinho na cabeça, ela chorava em desespero e me xingava na língua dela, eu, tentava de tudo... Nisto, já era hora do almoço, levantei e nem lembrei dos seres malignos do oceano desconhecido -ela viu com temor e prazer, sem me avisar. Me assustei após minutos, surpreso com o nada que ocorreu, minha fêmea embuçada disse que estava certa, ela queria pular, eu disse não, ela não estava nem aí...
 Foi aí que tudo se iluminou, era um cometa... O Cometa que anunciava o Crepúsculo de meu reinado! Não poderia deixar ela responder... Peguei um dos pedaços de madeira que usava como marcação e que agora eram remos, por causa de ideia dela, não fiz nada! EU NÃO FIZ NADA!!
 Veio um ser enfeitiçado, cheio de listras, barbatanas e listras... Parecia um leopardo em plena água! Arrancou-lhe sangue da jugular, ela caiu em cima de mim, em impulso louco, lancei ela na água...
 Tinha que resgatá-la, pensei, pulei, entretanto, logo me agarrei a uma das vigas e subi novamente, com escoriações, vermes brancos e choro
 Passei três dias dormindo de olhos abertos, em estado catatônico, olhava para a imensidão azul e nada via, nem sonho, nada; escorreguei, rolando para baixo da cama, em nosso... Em meu ninho
 Até fiquei apenas chorando, comendo e bebendo água choca, apenas um pouco... De pouco em pouco ia indo, foi numa quinta
                                   *
 O Capitão atirou com seu rifle na coisa estranha que boiava no mar do sul. Nas frias águas, o vapor com seus canhões e tudo mais, há uma semana detectara algo no radar à óleo... Houve um disparo de um sinalizador, seguimos o mesmo rumo por recomendação de um marinheiro, Thomas, Thomas Roupe.
 Tiro do Capitão fora apenas por esporte, era pra ser só um destroço da guerra... Porém, o sangue saiu debaixo da cama, o resgate e o remorso foi tomando a tripulação, assim, passados quase duas semanas, o homem barbudo e magro acordo e faz confusão, na certa, confuso pelo novo espaço, ele só se pergunta:
 -Aonde esta meu navio?! Aonde está?!! -Sorrimos com piedade, explicamos tudo, mais alguns dias de silêncio e logo ele nos contou a história, da morte do tio à quinta em que levou o tiro não intencional de rifle
 ...Terrível história, ainda bem que ele não perdeu a fé...
                                    *
 Novamente uma quinta, fria e com nevoeiro
 Penso em minha criança e minha pequena, lá, dormindo
 Eu me recuperei do estado catatônico, nesta guerra, me enchi de fios e líquidos enfeitiçados... Cada um tem seu deus, eu, sou Mar, dei-me este nome... Ao sair do navio, passei por fama e busquei me restabelecer, estranho, isto acho estranho... Mesmo com tudo que tenho, de algum poder à respeito, ainda estou -sempre estive desde aquela quinta de julho-, com o maldito cobertor na cabeça...
                       É como se a sensação nunca tenha me deixado, ainda pareço seguir o que me tio disse:
"-Fique aí! Em suas cobertas, se ficar aí, apenas parado e respirando, nada há de lhe acontecer, nunca!"
E sigo com meu navio



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