quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O conto que diz quem Nós Éramos... #Agentes do Caos

 MUSIQUETA DA POSTAGEM



O conto que diz quem Nós éramos, nós, os que hoje chamam de Agentes do Caos.
 Minha mais longínqua lembrança que escrevo neste diário, enquanto sou professor nesta escola de bairro – ou seja, me disfarço -, é quando olhava minha irmã colocar seus prendedores de cabelo feito de osso. Ela se olhava num poço, numa água que era coisa rara naquela terra... Lugar seco e áspero, duro e cheio de seres estranhos... Nós éramos estranhos pr’aquela terra, talvez continuássemos a ser, ainda agora, ainda hoje, quando já nos chamamos Agentes do Caos.
 Meus pais morreram nas mãos de nômades, nós, morávamos ali, num pequeno vilarejo no meio da terra seca. Ficamos por alguns poucos anos até que ela colocasse aqueles prendedores de ossos nos cabelos e fosse conversar com um ser estranho, tinha túnica e a voz nunca me foi certa... Não lembro de sua face, nem o que era; sei que viajava, sei que viajou muito e já estava na casa dos quarenta, talvez, pois uma vez me contou que por quarenta luas percorreu de uma ponta a outra do Grande Deserto, vendo pedras, demônios, gênios e anjos.
 Estava convencido de algo aquele ser, e ele convenceu minha irmã e a mim... Prometida pra alguém ela estava, um simples carpinteiro imigrante das terras do sul, seu nome era Órgenes, um homem silencioso, quieto, pensativo... E que sempre desconfiei... Enfim, ele era forte e também se juntou a nós, éramos em quatro agora. Porém, eu ainda não sabia os mistérios que aquele ser sempre encapuzado dizia a minha irmã e seu noivo, só sabia que começamos a caminhar, andávamos e corríamos o mundo, buscávamos mais alguém que em nós acreditasse. Recebidos com paus e pedras, retribuíamos destruindo templos e virando ídolos de cabeça para baixo.
 Porém, houve um tempo em que chegamos muito ao sul e depois seguimos à Leste. Foi neste momento que vimos pela primeira vez o mar. Meus olhos, mesmo depois de séculos e até alguns milênios nunca mais se esqueceram daqui, daquele azul... Daquela imensidão, era semelhante o mar ao que eu sentia ali, estava feliz, eu era feliz... Talvez o mais próximo do que alguém poderia estar. Um garoto de doze anos que sorria...
           Mas, por que eu sorria? O que eu fazia ali?
 Éramos uns poucos, talvez uns dez, no entanto, ninguém via muito o chefe, ao qual chamávamos de Mestre, ao menos, durante a noite e momentos de descanso. Eu o vi uma vez indo dormir perto de algumas pedras, ao sopé de uma montanha... Lembro de tê-lo visto tirar a túnica e cobrir-se, porém, não lembro de seu corpo e se era mulher ou homem, isto nunca me importou, gostava dele, era bom comigo, não me fazia arriscar nas missões e não permitia que ninguém me batesse... Mas, ainda assim, Órgenes me batia as vezes, ele me treinava, junto com a minha irmã, nas artes de portas uma espada, de conversar com as coisas vivas, de ver o invisível e não acreditar nele...
 Finalmente, um dia perguntei ao Mestre:
 -Por que estamos aqui? – Ele respondeu:
 -Nenhum destes homens e seres acredita, eles desconfiam... É isto e nisto que acreditamos, cada um destes seres têm uma coisa pra se guardar, um pequeno segredo, uma coisa pra amar... Outra pra odiar... Não há deuses nem forças, nós temos dentro de nós mesmos o que precisamos, talvez seja isto que buscamos aqui... Entende, jovem Ulle?
 Meu nome não era Ulle, mas, agora era... Não sei, simplesmente entendi o que ele queria... Então, comentou comigo:
 -Amanhã, quando o sol estiver reto sobre nossas cabeças, fundaremos algo, faremos algo que ninguém fez ainda, que não vi em nenhuma de minhas viagens...
 Foi no horário e tempo que ele disse. Chamamos a todos, éramos em uns quinze naquele tempo...
 -Hoje, eu fundo com você uma coisa, os crentes nos mistérios invisíveis também o fazem, nós faremos igualmente... Fundamos a nossa Tribo, o Nosso Grupo...
 Todos se olhavam, havia tensão no ar...
 -Sei que nós estamos sendo perseguidos, que à Oeste os Povos do Olimpo soltam seus tentáculos e matam nosso irmãos próximo ao mar... Também sei que à Leste, as mãos dos Vedas caminhas e definham alguns de nossos amigos, ficamos entre eles nesta guerra contra os Demônios e aquele povo, fora os Anjos que no deserto nos cobram pedágio, a cada fonte de água... Ao sul o Reino dos Djins nos oprime a seguir suas leis de caravanas milenares, mesmo nos dando passagem, porém, eu sei de tudo isto e estamos prestes a dar um passo importante...
 -Senhor, deixe-me falar... –Comentou um homem das terras do Leste, seu nome era Kalla e era o mais poderoso de nossos arqueiros – Como iremos sobreviver? Não há aqui forças suficientes para competir com tais casas e clãs, estes seres são em número infinitamente superior a nós... O que faremos? Temos nossas forças, mas apenas dois braços, duas pernas e dez dedos...
 -Sim, eu te compreendo Kalla... Você é sábio em sua precisão, como tua flecha... No entanto, ainda não esta convencido da força que temos... É certo, não teríamos tamanha força se não fosse pelo que estou prestes a mostrar a vocês...
 O Mestre abriu a tenda, todos ficaram assustados. Era um homem-lagarto, pele esverdeada e olhos amarelados.
 -Que aberração é esta, meu Senhor? –Perguntou minha irmã, me colocando junto dela.
 -Este, a quem chamam de aberração, é Jaya... – Então, o ser lagarto puxou alguém de traz de sua túnica, uma menina, creio que da minha idade, talvez... Era linda, a pele era doce, só que os olhos amarelados tinham medo, estava assustada... – Ah, sim! Esta é Sinnix, uma companheira de nosso mundo de Jaya...
 -Nosso mundo? Como assim? – Perguntou o medroso Órgenes.
 -Eu, - falou a criatura, com voz rouca e parca – sou Jaya... Sou um viajante que estava perdido, caí neste mundo enquanto viajava em busca de água e comida... Sou de um povo das estrelas, um povo guerreiro e poderoso... Seu mestre me ajudou e com isto, ajudou toda a minha raça...
 -Nós, - disse meu Mestre – temos agora a chance de sobreviver... Jaya dará um aviso para seus companheiros de batalha virem para o nosso mundo... Eles chegarão aqui e nos auxiliarão na batalha contra as diversas casas, quando o caos e a descrença estiverem instalados, finalmente, teremos nossa Missão completa... O Caos vencerá...
 -Mas, senhor... – Disse Kalla – Confiar nestes seres? Como podemos fazer isto? Não temos força suficiente para aguentar ao poder dos outros povos e...
 -Continuar sobrevivendo? Kalla, tu sabes melhor que eu, as vezes não podemos apenas sobreviver... As vezes temos que ter um sonho... E persegui-lo, pois talvez seja a única coisa que nos reste...
 -Sim, um sonho... –Minha irmã e Kalla se entre-olharam, sentia nos dois algo, assim como Órgenes, que puxou com força o braço de minha irmã, ninguém além de nós viu aqueles movimentos, aqueles gestos... Eu não sabia que eles seriam tão importantes, não sabia que aquilo definiria tanta coisa...
 -Logo, para que seja dado o Aviso – disse meu Mestre -, três de vocês serão escolhidos para irem para o mais longínquo dos Nortes, atrás da fogueira que o sábio Zaratustra acendeu... Lá devem lançar este pó que  Jaya trouxe... Ele contém a centelha de mil estrelas... Quando aceso, os navios que caminha nas estrelas do povo de Jaya virão e nos auxiliarão... Porém, eu deixarei esta missão apenas para quem mais confio, não se sintam mal por isto, mas a missão é perigosa e terá de atravessar muitas terras desconhecidas, apenas estes que eu tocar o ombro serão aqueles que possuem o que estamos buscando, eu gostaria que todos fossemos, mas, será burrice da minha parte arriscar a todos...
 Então, meu Mestre fez com que eu me assustasse, ele me fez tremer nas bases, quando sua mão foi tocando os três escolhidos... Tocou primeiro em Kalla, disse:
 -Kalla, você veio de longe e conosco aprendeu a dar a suas flechas o tempo destruidor, a força de governar a juventude e a velhice, você, jovem de corpo e velho de coração, Kalla, eu te escolho...
 Foi, o Mestre e tocou o noivo queito e parado de minha irmã, Órgenes:
 -És o mais resistente, porém o mais vacilante de todos nós, Órgenes, agora tu vai se chamar Órion, o Forte, pois, com muita força você venceu todos os cansaços, agora é praticamente invunerável, tuas mãos carregam a potência de todo um exército, ainda que sua boca não profira mais do que duas palavras por dia...
 Todos riram, eu não. A pequena Sinnix via minha cara de medo e eu percebi que ela me fitava, curiosa; por um momento nós nos entendemos, nós nos comunicamos e disse a ela que estava com medo, apenas no olhar...
             Medo daquilo que o Mestre fez, o terceiro toque
 -Você, mulher de Órion, a mais brilhante de nós todos... Não poderia deixar de te escolher... – Então, ele tocou no ombro de minha irmã e fez meu chão desaparecer sobre meus pés – Você, se chamará agora Astar, minha menina, - beijou a testa de minha irmã como um pai, e talvez, ele fosse isto pra nós, órfãos que não criam no destino... – tu sabes como tecer o caminho dos outros, com magas antigas aprendeu a Tecelagem de Vidas e Caminhos, faça teu caminho e o nosso cheio de glórias e energia...
 Então, em silêncio, no outro dia, eles partiram... Havia apreensão entre nós, pois o Mestre se fora com eles, iria até uma parte do caminho, depois de aceso o Aviso, voltaria para nos falar... Eu, encarregado de Sinnix, deveria guardá-la com minha vida, pois, ela era o “Selo” do acordo de Jaya com meu Mestre, ele que não se chamava mais assim, agora ele, nas palavras de minha irmã, era o Fundador, havia fundado algo que nem nós e talvez ele próprio soubesse a extensão que tomaria...

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