domingo, 12 de fevereiro de 2012

Quando o chapéu se viu no espelho #Agentes do Caos

MUSIQUETA DA POSTAGEM

 -Olá? …É você?
 Ela toca com seus dedos brancos no espelho, ele reaje e tremula, como um líquido, como uma onda
 -... ... –Nenhuma resposta
 -Você é a Batida?
 O som não existe naquele lugar, tudo parece um sonho. Um bad dream em que tudo é sombrio e escuro e, justamente por tudo estar escondido, não-descoberto, sua mente ferve... Nem meditações, nem amigas ou amigos, garotos numa balada, conseguem tirá-la daquele fosso... 
 Porém, nenhuma ajuda adiantaria, ninguém a auxilia de verdade. Todos fingem não ver e ela finge que não esta sendo vista... Assim como este sombrio sonho, percebe que não é nunca a luz de uma lanterna que ilumina seu caminho para que cada manhã acorde, mas sim, que tudo não passa da luz da lua refletida em sua pele... Seus olhos...
 -... Sim! Sou. -Respondo após momentos de silêncio. Virando para mim, Lúcia me fita, assustada... No entanto, não demonstra, só com suas grandes pálpebras me cega, pelo que dentro delas guarda. Lembro até hoje, de nossa primeira vez, do primeiro olhar.
 As primeiras décadas do novo milênio ditam nosso vestir, o que nós pensamos ser uma expressão de nós mesmos, nossa moda, nada mais é do que vemos no mundo, engolimos, soltamos dos dentes e colocamos no corpo. Ela tinha um grande cabelo loiríssimo, curto, mas armado, algo que me lembro dos anos 80... Mas, nunca liguei pra isto, nunca pra este tipo de coisa, veja só, agora ligo, depois de tudo...
 -Você... É a Batida... Do peito?
 -Sim... O que sempre estive aí, em você... -Uma mentira, eu era um Agente, não qualquer um Deles, sou o Homem do Chapéu, meu mestre é o Próprio Fundador; porém, com ela, não tinha vontade de lhe falar nada, não agora, aquilo me impelia.
 -Tem um grande chapéu, gostei dele... -Sorrindo, tocou neste tecido que enorme, parecia com os antigos "protetores de cabeça" do século XVII, das guerras entre os espanhóis e holandeses, das quais participei, como mercenário... No entanto, isto não é importante, só deve-se saber que era um grande chapéu que tinha três pontas...
                   Pontos de luz, acho que eram isto. Dois belos olhos sem cor alguma estavam na face de Lúcia; ela percebia quando os notavam:
 -Você também os viu? Bem, só não acho mais estranhos do que você... Por que está com uma máscara de gás e este chapéu enorme?
 Olhei para ela, eram como dois faróis, não me cegavam, porém, pareciam que me chamavam para algo que há muito tempo não conhecia a minha língua em falar: a verdade, não a dos poetas ou sábios, a minha, a que realmente importa, no fim das contas...
 -Não sei... Eu realmente poderia estar ela, a máscara, mas, sou parte do chapéu, ele sou eu... E sou igualmente com ele a Vingan... -Me contive, aquilo era muito estranho, então aquilo que procurei era verdade, olhos que me dizem o Escondido, o sombrio, que próximo aquela torre de água parecia tão enorme, apesar da cidade estar tão próxima... Com suas luzes, no entanto, não eram luzes como dos olhos dela, eram, apenas, lâmpadas, que em seus raios liberados, velavam leituras, tevês e pc's ligados, olhares vidrados, corpos entrelaçados e alguém chorando... Fazia tempo que não me dava a ser sentimental...
 Tirei a máscara e revelei uma das minhas faces, a do carrancudo pistoleiro, porém, mais jovem e sem seu poncho, que usei em tempos e estórias passadas.
 -Qual o seu nome?
 -Não precisa saber, Lúcia...
 -Então, você me manda um bilhete depois daquilo... ... Eu não sou palhaça! Não posso ficar aqui, neste escuro e...
 De repente, mesmo tendo o 38 na cintura, lhe fiz o que deveria se fazer: um abraço.
 Nunca fiz isto, não... Faz muito tempo que abracei alguém... Antes mesmo de que eu fosse a Vingança...
 Assim, começou... Antes disto, ainda com lágrimas nos olhos, me perguntou:
 -O que você quer?! O que quis dizer naquele bilhete: "Você tem outra chance, basta treinar, pra ser?"... -Continuou o ataque histérico, eu a ouvi, mas, deixei-me ouvir por seu olhar as tristezas de nascer com aquilo... Diziam que ela tinha "olhos de espelho", que cada vez que falava com alguém, fazia-o falar a verdade, já fora espancada por isto, estava sendo no momento em que recebeu o bilhete por Extremistas-feministas que tinha feito parte, "- Não podiam ter aceitado alguém como ela", me disse a jovem de cabelos amarelos. Os seus intermináveis casos de bullying na escola e ainda quando adulta, mesmo sempre tentando pelas ruas desta cidade fria e úmida, que chamam de Curitiba -antiga Gran Pinus -, fazer seu caminho de cavaleiro errante que depois de pensar ter derrotado o moinho-gigante, torna-se trinfante, sempre com a realidade dava de cara, seca, áspera, real...
                 Falava comigo e depois dizia que da ponte se jogaria. Que eu deveria lhe dar um "tchau"
 Deixei isto tudo quieto em mim, lembrando de tempos passados, de cidades muito distantes e já esquecidas, em momentos que eu era daquele jeito, só que sem pontes como aquela... 
 Consegui salvá-la como salvei muitos outros desta ideia suicida: convidei-a para ir à um parque no outro dia, se não fosse, não saberia - nunca- o por quê de ter vindo me ver... A curiosidade, é algo que nos move, mesmo que, já no fundo, ou talvez seja a vontade de viver de nós, homens animais, mas, não me importo, pois, não sou bom com as palavras mesmo... Porém, sobreviver sei, tanto que me mantive aqui, para cumprir o que tenho de fazer
 No outro dia, em frente a um portal, vi alguém chegar... Com a garrafa de vodca, mas lá
 *           *          *
 Ventilador...
 Suas pás giram e libertam os corpos do calor infernal que aqui faz... 
 Era num verão. Sentado num muro, perto de um ponto de ônibus deserto, um ser de estatura humana, de sapatos pretos e meias listradas coloridas, não posso ver seu rosto. Eu paro e converso com ele... Com roupas normais, de motoqueiro, seguro meu capacete - na verdade, meu chapéu que agora era aquela forma protetora de cabeças
 -Olá!
 -Olá, mestre! -Lhe respondo, virado pro outro lado, pra fingir que ninguém está ali, pois ninguém poderia vê-lo...
 -Você está feliz, "1º Aluno"? -As vezes não me acostumava com sua voz, ela estava dupla, como de um homem e uma mulher, algo estranho, mas, é compreensível.
 -Sim... Eu estou, Mestre...
 -Me conte, então...
 -Eu não sou mais a Vingança, meu senhor... Desde que há muito tempo, tudo aquilo aconteceu... Desde que minha irmã morreu e...
 -Eu sei, eu estava lá... Mas, e esta moça, esta Lúcia?
 -Ela... Bem, ela tinha uma missão... Eu estive treinando ela por todos estes meses, como segurar uma espada, atirar, saltar como o vento e bailar como as folhas...
 -... Além de beijar como as fúrias dos mares? Veja só... Conheço este poema também, o autor foi nosso amigo, há muito tempo... -Falou meu mestre. Eu fiquei calado, olhando para baixo, eu não podia lhe responder que não para com a última parte do verso
 -Ela sabe o quê ela deveria fazer? Acha que ainda pode cumprir com isto?
 -...Sam não vai existir mais... Ele foi longe quando quis apenas nos usar... Ela já sabe quem e o que ele fez... Ela será a Nossa Mão sobre ele
 -Ele é forte, você o treinou
 -Sim, mas apenas um aluno do mestre pode derrotar outro que aprendeu com o mesmo a sobreviver...
 Ele, o Fundador, olhou para o longe, dava para ver um parque ali... Era o Parque de Chien, que eu levara Lúcia - isto fazia alguns meses... De repente, ele sentiu algo, viu algo... Desceu do muro, começou a seguir a direção contrária da rua
 -Aluno, você está livre...
 -O quê? Senhor?!
-Você agora tem escolha, 1º Aluno... Você mereceu isto... -Virou-se para trás, vi com espanto, enquanto -como chegou- ele se foi... Virou uma folha verde e plainou com o vento, para outro lugar
 Apertei um comando num controle, um sinal de som saiu e localizei minha moto: modelo antigo. Subi, estranhando tudo... Tinha de vê-la em um Jardim na frente do Quartel Central. Pus o capacete, fui...
 Talvez nunca precisasse ter visto o que vi lá, a Vingança renasceu
 Cresceu
 E dois quarteirões daquela cidade desaparecem

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