quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Uma véia para Dario

  O grande senhor persa Dario estava entediado, queria algo para viver, necessitava de algo que ascendesse sua chama, aquela que Zoroastro disse a ele em sonho, ou aquela que vemos nas piras dos heróis mortos, ou ainda, aquela que possuímos ao ter um corpo unido ao outro numa felação complexa dos corpos humanos, mas não tinha.
 "Eis que os mares do rio de Eufrates ou Tigre vieram e vão, mas nossos sonhos de grandeza permanecem,
  Queremos a imortalidade
  Queremos a honra e glória eterna" 
 É a inscrição que encontra-se no túmulo do rei babilônio hoje, mas resume-se bem a sua vida...
 O mais estranho, é que eu, ao ir para meu tratamento de hipnose no mês passado, descobri que sou a reencarnação do tal rei. Me senti muito bem, eu era um antigo rei, deveria me unir espiritualmente a ele, esta era a minha ideia quando, perigosamente, entrei no Irã; através de caminhos tortuosos e cartas falsas de Oxford, dizendo que eu era um grande antropólogo em projeto inovador de doutorado, estava eu nas portas dumas ruínas que diziam alguns estudiosos da região, ser do rei babilônico em plenos anos 70, durante uma época que ser um "ocidental" ali seria muito arriscado.
 Li a inscrição e, de repente, tive um insight.
 Me vi em um reflexo de água num pote. Estava com uma barba esquisita e era careca, minha pele estava mais morena, mas ainda me via ali.
 -O meu senhor deve estar satisfeito com o resultado do meu trabalho! - Virei-me e vi um homem negro alto com túnicas vermelhas... Ele falava uma língua estranha e enrolada, mas eu entendia... Na verdade, ele era tão negro que era azul, isto é, literalmente, percebi que ele era azul, assim como seus dentes e olhos... Nunca tinha visto aquilo, o sol oriundo das portas do palácio que batia no corpo daquele ser e fazia ele mais esquisito, de modo que demorei para perceber que ele não era humano.
 -Desculpa, o que tu és? -Falei na língua enrolada e percebi isto, realmente, era uma situação bem insólita.
 -Um djin, meu senhor, vejo que minha obra foi mais forte que pensei!
 Não entendi nada, mas depois lembrei de um pedido que fiz para aquele ser: "-Queria ter uma grande emoção, ser imortal!". Minha mente ainda estava confusa, quando o ser azul me disse:
 -Veja bem, você viveu uma vida em um mundo onde os homens voam como pássaros, andam nas águas através de cascas de metal e correm como o vento e seres que parecem touros de ferro, que mujem e fazem fumaça, um mundo muito barulhento e onde as pessoas vivem espremidas em palácios de conforto, mas que sempre estão a correr, para na vida de rotina não se perder...
 Ele, o gigante azul, então continuou depois de me olhar fixamente nos olhos:
 -Você queria ver algo que te completasse, eu te mudei do mundo em que estava e em ti sempre faltou algo... Infelizmente, talvez nem eu possa completar o que você não enche por si mesmo...
 -Então, vou viver aqui agora... Talvez a finitude humana seja incorrigível? 
 -Não sei, não sou humano, você também não será por muito tempo... -Respondi um "-O quê?" e o ser me bateu com seu cajado, desmaiei.
 Estou de volta a meu hotel, em Teerã, uma garrafa de whisky me explicou muita coisa... Mas, então, olhei para a janela... Naquele sol do Oriente, meus olhos encheram-se d'água e eu quis que alguém por mim colocasse uma vela, alguém completasse o que nunca pude, esta dúvida do eu mesmo...
 "Era Dario, no meu quarto
  Uma véia me tocou no ombro
  E no Irã
 Vi a Dona Morte
 Talvez eu nunca complete a reposta, saiba a minha real existência
 Um rei em que se falta a coroa
 Ou a pessoa buscou ser igual a um rei"

 MUSIQUETA DA POSTAGEM
 Um dark pop do Irã...

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