quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Menina Coelha - Memento mori






Capítulo 1 - Memento mori
 Eu me casei aos 5 anos, disse minha filha, enquanto eu a ouvia, em silêncio. Seu marido tinha 16 já e estava num colégio do Céu, próximo aos anjos, que tinha asas multicoloridas de papel celofane. O nome de meu genro era Tomas, eu o amava como um filho, mesmo ele sendo apenas: um sonho. Sonho de minha filha
 Enquanto ela caminhava, caiu em pequenos espinhos – me disse no outro dia – o Tomas estava longe e não a protegeu, ele era seu amigo imaginário e havia abandonado minha filha... Não acreditava mais no amor, nem ela nem ele, não acreditavam mais em nada... Eu ouvia em silêncio enquanto ela contava que quando pisou no primeiro ramo de espinhos, o mais um veio até sua perna e se amarrou nele, indo e subindo, ia caminhando por sua perna e a prendia.... Os ramos foram até suas partes secretas e com 13 anos, minha filha sangrou pela primeira vez... Seu amigo e marido Tomas estava longe, eu supunha que ele havia sido levando pelos Asas de Todas As Cores, como eu, anos atrás, no mesmo ano de quando ela se casou.
 O sangue de suas perninhas fez com que minha antiga rainha, Felícia, que podia se transformar em uma gata ( eu usava isto para conquistar corações de metal, bombas hidráulicas de sangue, como o meu, por aí), a trancasse em um Hospital. Porém, a menina esperava sair dali o quanto antes... Fraca, mas, confiante, continuava a me contar as coisas, por meio de cartinhas enviadas por passarinhos... César era o mais fiel deles, quase um amante dela... Aquele pequeno bem-te-vi era minha única comunicação com minha filha, que me contava coisas mais atrozes a cada pequeno bilhetinho escrito com ponta de cateter:
 O nome dele era desconhecido, ele era um Padrasto. Não era como o meu, avô de minha filha, que nos criou com amor que seus filhos que não teve. Ele era estranho... Médico de Felícia, tentava sempre arrumar seu nariz, orelha e boca, pois isto desagradava a minha ex, sempre mexendo, tentava cada vez mais deixá-la como ele: seu nariz ela pontiagudo, suas orelhas, em cima da cabeça, seus olhos, esbugalhados e vermelhos pela cólera, me davam uma mostra de como era a Beleza, desde que eu fui levado pelos Anjos-De-Todas- as Cores...
 Mas, minha ida para o Silêncio daquela cripta não me deixava de pensar em minha pequena filha, que casara com 5 anos com um sonho, eu não me permitia... Meus ossos cada vez mais paralisados e meus vermes cada vez mais com fome, pois minha carne acabara... Eu era apenas uma Enorme Vontade, ao qual eu dei o nome de Saudade. Saudade foi aos poucos se tornando meu nome, e eu contei isto a minha filha... Ela me contava que este nome combinava com meus olhos, sempre verdes, como o mar de nossa cidade suja...
 Foi em um dia, quando a mãe de minha Filha estava sedada. O Padrasto tomou uma pequena garrafa de gasolina e despejou nela, com um pequeno corte de um fio solto e conivência de uma enfermeira amante, deixou e esperou minha ex ligar seu ventilador... Era um dia quente, era quente como o inferno... Mas, isto não era importante, não ligava daquela fêmea me encontrar no silêncio, apenas ligava para o que César iria me contar dias depois....
Minha filha, sedada e ainda zonza, apenas viu um Padrasto com seu tubo de carne vermelha e nojento, coisa odiosa... Coisa que não é pra ninguém!!! Coisa que é ato indigno, não pela parte biológica, mas, pela ação odiosa... E a pequena... Um dia ela acordou no ato, um dia ela chorou por Tomas, mas, o maldito havia ido embora...
Como eu fui embora...
E a Saudade foi se tornando algo estranho, força motriz. Foi indo na única parte que havia sobrado na minha carcaça: bomba hidráulica  cheia de coisa vermelha que não mais havia... Ela foi revivendo, foi tornando-se algo poderoso... Algo forte...
Mas, minha filha ainda estava no Hospital, sua mente estava em um feitiço de medo. Ela ia a escola com outros meninos, belos meninos para genros, mas, nenhum ligava para ela... Pequena garota de 17, cabelos roxos até a testa e tênis de borracha: também ela não ligava, a Filha era muda – a mais maligna cirurgia do Padastro.
 Eu tinha que fazer algo agora... Só que o Padastro era agora nomeado Poderoso, pois nos ossos chamuscados de minha esposa, aquele Médico achou a Escritura de todos os meus bens. E com eles ele tomou para si um Castelo, aquele Hospital; ao seu lado, deixava uma mansão, no quarto embaixo das escadas, minha filha jazia... Muda. Morta, semi-morta.
 Eu tinha que fazer algo agora, mas, como minha única forma era César, tinha de levar em conta que ele estava velho, fraco, penas brancas na cabeça... Só que, tinha de me ajudar! Pedia a ele que me achasse três pequenos serafins, eles eram loiros, forma de meninas, olhos negros... Como demônios antigos, foram eles que me levaram anos atrás... César aceitou a missão, porém, me disse:
-Cuida da minha família? É minha última viagem nesta vida... Meus ossos estão frágeis  meus sonhos, se foram, meus filhos, crescem... E apenas algo me mantém, O Algo que Me Faz Lembrar...
 E minhas palavras no silêncio lhe prometi um terço do meu reino em vida e uma parte do meu coração imortal para cada filho do pequeno sabia. César aceitou e nunca mais voltou para a janela de minha Filha, ao qual o pássaro me dizia que tinha a única alegria de ser Violeta, a menina muda, mas, que ao menos em seus cabelos coloridos, fugia do reino maligno do Poderoso.

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