sábado, 7 de abril de 2018

Seis poetas de sábado

Estava andando pela rua cheia de matos, quando
Súbito ouvi seus passos
Cantava sobre o vento
Riscava sobre a estrada se seu olhar
Eu a vi, mas já não havia vida mais lá
E pelo encanto, por magia tremida da terra
Fui varrido para dentro dela
E já não havia mais nada ali
Já não havia mais eu
Apenas ela
Apenas tudo, mas apenas no passado de seus passos
Que eu caminhava e existia
Não era uma sombra, mas a inflexão
Entre seus lábios a cada palavra a te ouvir
Entre seus cantos de olho, lá eu estava
No pequeno assobio do vento
Estava em todo o lugar com ela, mas
Já não estava
Não mais


Meu nome era Tobias,
Um grande gato amarelo e gatuno
Que pelas pradarias te via e encontrara
Escondida em uma brisa de passos


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Rute olhava o Céu
Era o seu maior crime, em um mundo feito de pedras
Ela foi presa numa torre, mas de lá ainda olhava o infinito
Buscando respostas
Buscando a si
Rute era mal vista, ninguém gostava de Rute
Mas, ela andava por ruas vazias
E se sentia presa por forças invisíveis
Rute, uma alma que viajou
Estava nas estrelas
Mas, também estava ali
Enquanto caia
Rute voava pela janela, já não era mais
Rute
Já não existiam mais sombras de ninguém
Quando viram Rute desaparecer
Ela já não mais olhava
o Céu




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Foi a última vez que vi Tomé
Me falava de sua última viajem de ácido, ou pra Barcelona
Já não me lembro, já não lembro o que havia no meu copo
Ele entrou num ônibus
E as portas se fecharam fazendo um som estranho
Tomé estava dentro de uma enorme serpente metálica

De toda a tua técnica empregada
De toda a força que lhe torceu o metal
De toda a matéria morta para fazer seus motores gritarem pela cidade
Apenas via meu amigo ir embora
Apenas senti um pequeno bater de asas de borboleta

E quando vi, estava no furacão
Estava no olho daquela cama, que me puxava
A gravidade do sono dos justos
E eu nem era tanto assim
Cansado, caí, tombei
E nunca mais vi Tomé
Ele agora estava lá
Eu ali
Em algum lugar
Todos nós estamos
Mas, você escuta o bater das asas?

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JAMAIS FUGIRÁ DO MEU JULGO
FARISEU DOS INFERNOS
Gritou o homem nos montes nos primeiros anos de nosso calendário
JAMAIS FUGIRÁ DE MINHA JUSTIÇA
Ó INFIEL
Disse algum europeu no medievo
JAMAIS FUGIRÁ DE MEUS GRITOS DO QUE É VERDADE
Ó IGNORANTE
Me disse aquele pequeno homem com suas estatísticas e ferramentas de medição
JAMAIS FUGIRÁ
DE TODO O MEU APARELHO
Me disse o censor, antes de cortar minha cabeça,
Botá-la numa caixa
Deixá-la "bonita, formal e justa"
Fazer com que eu clamasse palavras que não reclamara
Que não entendia
Apenas em um grito uníssono
Apenas um grito
Apenas mais um na história humana
Dos enormes pesos dos olhos dos outros
Sobre sua fronte
Sobre seus olhos, apenas a tormenta


Não poderás fugir de nós
Oh, jovem das trilhas
Nós temos agora o Aparelho
E você, apenas a sua consciência


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Estava mascando chiclete
Andando de bicicleta
Na praia mais linda dos teus olhos
Perdidos no mar de abril


Quando se ama,
Não se perde
Se acha tudo
Até o erro é doce
Até o amargo é apenas uma pedrinha
Só vejo pontes quando amo
Jamais muros
Jamais as muralhas se elevam

Estarei amando?

Estava
Não

E daquele chiclete grudado embaixo da mesa
Daquele café que te fiz
Daquela luz da praia que agora
É o pôr do Sol numa montanha qualquer
Vi um pequeno túnel
Uma pequena trilha de pedras
De mãos dadas
Abraços
E amigos

O amor não é misterioso
Só se vive sendo muito mais no corpo d'outro
As vezes, por fortuna, aquele também responde
O sinal do farol
Senão, a vida se vive
No mar persegue
Meu tesouro
A minha pérola de seu olhar
O seu sorriso que apaga toda a chama do peito
Toda aquele turbilhão que sai,
Que te sente
Sente ao ver, ao tocar, sentir com cada parte
Está ali, naquela trilha
Já não vejo apenas pontes, construo o que quiser
Já consigo firmar meus passos no horizonte
E nós, dois equilibristas da Vontade
Afastamos e voltamos
Como a maré que nunca te deixa
O mar
De meus olhos
Meus desejos

Imensidão de oceanos
Profundidade de carícias
Universo de mim em nós
Me compra um chiclete?

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A palavra que escrevo
É de um desocupado
Escrevendo nas paredes, tentando gritar
Naquela cela dentro de si
Que para outros é tão macia, quanto qualquer
Outro navio
Partem para aventuras, escrevem para mim
Apenas os vejo
Não estou com eles
Apenas os vejo contando sobre o resto de suas vidas
O desprezo do desocupado
Daquele que apenas nunca verá nada de belo
Pois, apenas está sobre as feias
Tripas do desassossego


Aquele homem magro, chamado Eduardo
Estava entre os últimos que embarcaram no trem
Ele olhava para mim com olhos fundos de polaco
Azedo entre as palavras
De um desocupado
Não via nada mais que uma prisão
Aonde eu via uma estrada
Aonde eu estava?
Estava ali, a olha Eduardo com tons sérios
Enquanto seus olhos fechavam
Cintilantes de uma noite de 20 horas acordado
Eu o olhava fixamente naquele trem
Em cada palavra
Do desocupado
De si mesmo
Negava ocupação

E, no espaço vago, desocupado
Eu estava olhando Eduardo
No reflexo do espelho
Às 6 horas da manhã
No lugar vazio, o Eduardo
Sentando
Não-existindo
Entre alguma perdida manhã de sábado

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